Heroísmo nenhum pode ser autêntico quando se precisa incorporar um espírito de combate perpétuo, que se dilata ad aeternum ao longo de uma existência sem nexo e sem fundamento verdadeiramente sólido, descartável, limada pelos donos do poder ao fim de breve e descuidada análise.
Essa conjuntura de dificuldades extremas, que se avultam e nos fazem lutadores quando não desejávamos, numa arena onde se está para matar ou para morrer, se erige ainda hoje, lançando mão das medidas e desmedidas de cada uma de nossas atitudes, aquelas mesmas que hão de nos levar a um futuro decerto muito menos doce que este já triste presente que nos cerca.
Há grupo sociais constituídos tão solidamente que chegam a despertar a inveja das instituições formais de mando, sem prejuízo de conceitos como honra, bravura, lealdade, compromisso. Rasgando a carne flácida do tempo, a máfia, muito mais que uma megaempresa de êxito, dotada de filiais pelos quatro cantos da Terra, cada qual com suas idiossincrasias e seu modo de operar, se impõe como uma visão de mundo, em que resta sempre muito clara uma filosofia empreendedora, que abrange seus clientes junto à mentalidade da autonomia individual absoluta, ou seja, todos são livres para fazer de suas vidas o que bem quiserem e o Estado e seus representantes legais não devem se meter. Por evidente, a fachada de defesa dos homens e sua intimidade e tantas outras boas intenções voltadas à preservação da humanidade em seu estágio mais básico rui fragorosamente uma vez confrontados o número de vítimas do abuso de entorpecentes e suas comorbidades e o lucro das grandes organizações criminosas que se vivem do narcotráfico, chaga aberta de povos os mais diversos entre si.
O título do novo longa do florentino Cosimo Gomez soa pomposo — e é mesmo. À primeira vista, “Meu Nome é Vingança” parece um épico grandiloquente acerca da malcontida ira de um homem que se flagra subitamente desapontado com as más escolhas a que se foi entregando ao longo de uma vida de misérias disfarçadas; contudo, à medida que a história toma corpo, Gomez vai deixando claro seu genuíno intento, o de se destituir o protagonista de toda a aura de glamour que possa prevalecer em enredos como o de seu filme, optando, conscientemente ou não, por recusar o emprego de efeitos especiais ou enquadramentos mais rebuscados sempre que se concentra com mais esmero na figura do personagem central, vítima de um sítio psicológico que só faz crescer.
O roteiro do diretor, escrito com Andrea Nobile e Sandrone Dazieri, parece se moldar à personalidade esquizofrênica de Santo Romeo, o gângster de família vivido por Alessandro Gassman. Não é primeira ocasião, a propósito, que dispõe-se do trocadilho meio infame de batizar um bandido justamente com esse nome, como prova “Nada Santo” (2019), dirigido pelo também italiano Renato de Maria — a despeito do que poderia ser uma coincidência irrelevante, o filme de De Maria também trata de um mafioso caído em desgraça. No que se refere a “Meu Nome é Vingança”, o diretor trabalha o conflito principal de modo a fazer com que o espectador fique persuadido a dar um voto de confiança (ou, ao menos, o benefício da dúvida) a Santo, o que têm todas as chances de acontecer graças a interpretação visceral de Alessandro, filho do matador Vittorio Gassman (1922-2000), um dos melhores atores de seu tempo.
A trama deriva muito e quase se perde devido à insistência de Gomez em empurrar pela goela da audiência abaixo do público a conversão desinteressada de Santo, mas a entrada em cena de Ginevra Francesconi na pele de Sofia, a filha que descobre o passado do pai e não lhe tem nenhuma compaixão — mormente depois do crime que marca a vida dos dois para sempre —, salva a hora e meia de uma narrativa meio verborrágica, mas bem levada.
Filme: Meu Nome é Vingança
Direção: Cosimo Gomez
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Ação
Nota: 8/10