Como jornalista, sei que a maioria dos meus ex-colegas de faculdade ingressaram no curso para aparecer na televisão. Alguns deles conseguiram, mas muitos desistiram no caminho até o diploma. A profissão é uma das mais tradicionais e desejadas entre os jovens que estão saindo do ensino médio, mas, na prática, o jornalismo é bem diferente do que as pessoas idealizam.
O cinema foi um grande responsável por eu ter escolhido esse caminho. Não foram bem Fátima Bernardes e William Bonner que inspiraram minha escolha profissional, mas os thrillers investigativos hollywoodianos. Não era o glamour que me instigava, mas a busca pela verdade. Nesse caminho, muita coisa aconteceu, tive oportunidade de bancar a detetive e correr alguns riscos, passei por perrengues em pautas, cobri eleições. Fiz quase tudo que está no script. Hoje, posso dizer que já passei por muita coisa nessa profissão que me proporcionou experiências incríveis, muito mais incríveis que ser um rosto famoso na sua televisão.
O canadense Jay Bahadur, formado em ciências políticas e economia pela Universidade de Toronto, também queria ser jornalista investigativo, mas nunca frequentou o curso superior na área. Quando ouviu de um de seus jornalistas favoritos que a profissão era muito mais sobre talento e experiência prática que diploma, Bahadur teve um insight: ele precisava investigar algo realmente grande e importante.
“Os Piratas da Somália” é um filme dirigido e adaptado para as telas por Bryan Buckley, baseado no livro homônimo de Bahadur. Ele narra a saga do aspirante a jornalista na Somália para investigar os piratas somalis e a fragilidade da democracia no país. O protagonista é vivido por Evan Peters, que depois de retornar da universidade, mora no porão da casa dos pais e não sabe direito o que fazer da vida, no início do filme. Mas o personagem inteligente, porém pedante e irritantemente verborrágico, não para de divagar sobre sua ex-namorada de ensino médio que ingressou na Universidade de Stanford e está prestes a se casar com outro cara e sobre como ele próprio é alguém inovador e genial. Os primeiros minutos do filme são bem cansativos.
Mas as coisas começam a andar quando Bahadur conhece Seymour Tolbin (Al Pacino), um jornalista aposentado icônico que o influencia a ir para a Somália investigar o tema de seu TCC e o coloca em contato com uma editora da CBS. As cenas com Tolbin parecem surreais e Al Pacino parece uma alucinação nunca sóbria na cabeça de Bahadur, mas é o impulso que faltava para que o jovem alavancasse sua carreira.
Então o rapaz pede dinheiro emprestado para os pais, Maria e Kailash (interpretados por Melanie Griffith e Alok Tewari, respectivamente) e parte para uma aventura no chifre da África, em um país notavelmente precário e onde a metade da população vive abaixo da linha da pobreza. Bahadur consegue apoio do filho do presidente da Somália, que lhe consegue um tradutor chamado Abdi (Barkhad Abdi) e um abrigo seguro o bastante e com acesso à internet.
Abdi é inteligente e tem contatos suficientes para ajudar Bahadur a entrevistar dois importantes chefes da pirataria somali, entre eles Garaad (Mohamed Osmail Ibrahim), um homem vaidoso e perigoso, cuja esposa se torna aliada de Bahadur e o ajuda a ganhar a confiança do marido.
Ao longo de meses de estadia no país, Bahadur consegue se infiltrar no meio dos piratas, além de fazer entrevistas exclusivas e conseguir imagens inéditas do sequestro do capitão Phillips (que inclusive é retratado em outro filme com Barkhad Abdi e Tom Hanks) e que vão parar nas maiores emissoras globais. A pauta de Bahadur na Somália com certeza foi mais cara e arriscada do que ele previa, mas lhe rendeu um best-seller e empregos nos principais jornais do mundo, mesmo sem diploma de jornalista.
“Piratas da Somália” parece ter tido pouco tempo para se aprofundar em personagens secundários interessantes e gostaríamos de ter tido mais contato. Embora seja informativo, não situa tão bem o espectador em relação às crises vividas na Somália. Ele parte da premissa de que o público já tem algum conhecimento político sobre o país. O filme não é um thriller de ação e pode decepcionar quem espera tensão o tempo todo. Ela existe em alguns momentos, mas não é uma característica permanente do enredo, que também abarca humor, drama e um pouco de psicodelia.
Filme: Os Piratas da Somália
Direção: Bryan Buckley
Ano: 2017
Gênero: Biografia/História
Nota: 8/10