Filme divertido e adorável na Netflix: uma aventura selvagem que vai te manter na ponta do sofá Divulgação / Focus Features

Filme divertido e adorável na Netflix: uma aventura selvagem que vai te manter na ponta do sofá

A vida tem seus próprios caminhos. Por isso, não são poucas as vezes em que nos sentimos como se perdêssemo-nos ao longo da jornada, ansiando que alguém estenda-nos a mão, ainda que saibamos que precisamos suportar os golpes, que cada um deve tomar sua cruz, que talvez haja mesmo um pote de ouro ao fim do arco-íris, só para quem ousa acreditar, e sonha. “Meios-Irmãos”, história inocente e um tanto pueril, se embebe dessa atmosfera para contar as idas e vindas de um pai e seus dois filhos, separados no tempo e no espaço por uma conjuntura infeliz e pela covardia, pelo orgulho, pelo medo, pela ilusão. Luke Greenfield consegue se sair bem na condução do roteiro barrocamente caótico de Eduardo Cisneros e Jason Shuman, tirando dele passagens ora tocantes, ora divertidas, num equilíbrio quase cartesiano, sobretudo ao cabo da abertura demasiado longa, quando o diretor conduz quem assiste por uma viagem pelo esfacelamento de uma família, recomposta de outro jeito muitos anos depois.

Um colorido aviãozinho corta um céu azul pálido em direção à torre da igreja. A fotografia de Thomas Scott Stanton enaltece também San Miguel, a cidadezinha mexicana na fronteira com os Estados Unidos, toda em vermelho e amarelo, uma marca visual de “Meios-Irmãos”, bem como o brinquedo igualmente vira um MacGuffin fundamental no enredo. Aos poucos, Greenfield apresenta o eixo do conflito que faz girar seu filme, a amizade entre Flavio e Renato, os personagens de Juan Pablo Espinosa e Luis Gerardo Méndez. Pai e filho estão sempre juntos, os dois parecem, em muitas circunstâncias, uma mesma pessoa, apenas por um detalhe: a vida para Flavio era um jogo; para Renato, uma luta. Em 1994, a crise econômica do México, batizada com o sugestivo nome de Efeito Tequila, sacode a relativa estabilidade de famílias como a de Flavio e Renato devido à falta de reservas internacionais, com o excesso de demanda de divisas gerando uma desastrosa baixa do peso frente ao dólar, já nos primeiros dias do governo do presidente Ernesto Zedillo (1994-2000). Há o espaço preciso para a contextualização temporal da narrativa, onde a trama começa a se justificar. A convulsão social que grassa no México, com multidões de desempregados da noite para o dia, inflação, desabastecimento e uma miséria que afiava suas garras, empurra Flavio para uma tentativa quase irracional de ir tentar a vida do outro lado do muro, com Espinosa sempre competente em misturar ao desespero latente de seu personagem uma dose de charme e lirismo, deixando o menino para “tomar conta” da mãe. Passam-se alguns anos, e aquele menino outrora crédulo nas promessas dos adultos torna-se o poderoso dono de uma das maiores companhias aéreas do México, sediada em sua cidade natal. Mas às vezes dinheiro não traz felicidade mesmo.

O segundo ato termina com o reencontro entre Renato e o pai, que sai de cena para sempre, mas deixa-lhe como herança Asher, o meio-irmão que preferiria não ter conhecido. Connor Del Rio encarna o necessário respiro cômico de “Meios-Irmãos”, cravando no filme o humor vesano que permanece até a derradeira sequência, dividindo o quadro com um cabritinho marrom nos lances mais adoravelmente espalhafatosos. Del Rio e Méndez, nessa ordem, dão à história a leveza que se procurava desde o início, sem deixar que se perca nada das várias reflexões que Greenfield suscita a respeito das coisas lindas e essenciais do estar no mundo.


Filme: Meios-Irmãos
Direção: Luke Greenfield
Ano: 2020
Gêneros: Drama
Nota: 8/10