Estávamos no final dos anos 1970 e início dos anos 80, quando Goiânia possuía diversos cinemas espalhados por suas ruas. Um deles, em particular, especializou-se em filmes de arte, principalmente nas matinês vespertinas de sábado: o saudoso Cine Rio, localizado no bairro de Campinas. Muitos diretores, aclamados por uma crítica rica em conhecimento cinematográfico, marcaram presença na juventude da época por meio das telas do Cine Rio. Era comum sermos agraciados com exibições de obras de Pier Paolo Pasolini, Vittorio de Sica, Michelangelo Antonioni, Bernardo Bertolucci, Federico Fellini, Luchino Visconti, Roberto Rossellini, Godard, Truffaut, Alain Resnais, Jacques Tati, Andrzej Wajda, Roman Polanski, Ingmar Bergman, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Anselmo Duarte, Luis Buñuel, Carlos Saura, dentre outros — e peço perdão aos que não citei.
Cada um desses cineastas apresentava uma característica marcante que instigava e/ou aguçava a inteligência de quem os assistia. Eram, literalmente, fenomenais. Demonstravam um cuidado primoroso na confecção de seus filmes, com detalhes até então inimagináveis. Influenciaram gerações mundo afora, atraindo seguidores de todos os matizes. Por sua profundidade, persuadiam-nos com sua sagacidade no cultivo à cultura cinematográfica. As músicas, as cores e os ambientes eram meticulosamente projetados para que, nós, espectadores, pudéssemos mergulhar na mente daquele diretor e extrair seu pensamento mais íntimo.
A Nouvelle Vague trouxe um ritmo diferente ao cinema, consolidando-se como um movimento de destaque mundial. No entanto, um desses diretores me marcou de maneira profunda pelo cuidado com o qual abordava o estereótipo psicanalítico do indivíduo na sociedade, questionando a condição humana. E o fez de forma primorosa, tendo como diretor de fotografia Sven Nykvist, reconhecido como um dos melhores fotógrafos de cinema de todos os tempos. Ele conseguia capturar, com sua câmera, toda a crueza com que Ingmar Bergman retratava a verdadeira face da sociedade.
Por acaso, assisti ao filme francês “Delicioso, da Cozinha para o Mundo”, dirigido por Éric Besnard. Embora a princípio pareça despretensioso no que tange à arte cinematográfica, o filme possui inúmeras fotografias que remetem ao trabalho de Nykvist, ainda que sob uma ótica diferente.
É gratificante saber que ainda existem diretores preocupados com a qualidade cinematográfica que nos é apresentada. Retornando à Goiânia, percebo que vivi em uma era culturalmente rica em uma capital que, hoje, é obscurecida pela contracultura em todas as suas facetas.