Estudos preliminares dão conta de que ozonioterapia no reto dos outros é refresco

Estudos preliminares dão conta de que ozonioterapia no reto dos outros é refresco

Querem me pegar na reta. A política de cancelamento nas redes sociais leva-me a ser mais cuidadoso com as palavras. Se tiver que ser bloqueado, que seja pelo Supremo — favor não confundir com o Supremo Tribunal Federal; refiro-me à divindade. Aliás, Deus não tem nada a ver com isso. É tudo obra do algoritmo, que dita o ritmo da vida falsa e comezinha das famigeradas redes sociais da internet que nos fazem sentir pessoas mais influentes do que de fato somos, verdadeiras notoriedades do tipo a voz que clama no deserto ou a última Coca-Cola gelada que se tem por perto. Vocês devem estar pensando que eu enlouqueci de vez. Não é bem assim. Sigam o meu raciocínio, mas, mantenham uma distância segura.

Eu entendo a humanidade. Somos os camundongos de Deus. Novas terapias estão em voga desde o advento da pandemia pelo Covid 19, como a utilização de cuspe na palma das mãos — para o tratamento da solidão e da disfunção erétil — ou a injeção de ozônio na ampola retal do freguês — como parte dos esforços para a recuperação da estratosfera terrestre. Estudos medíocres preliminares comprovam que a pomada de Minâncora cura frieira, mas, também, quebra um baita galho quando utilizada como lubrificante íntimo. Não, eu não quero intimidade com nenhum dos meus detratores. No fundo, no fundo, eu também não estou entendendo nada nada nada do que está acontecendo, muito menos, do que estou escrevendo nesse exato instante. Pode ser um insight, uma inspiração, um surto e, até mesmo, um ato irresponsável decorrente da ociosidade dos últimos dias. Oremos.

Por ora, a ideia é que se dê um bocado mais de crédito à ciência de maneira em geral, mas, especialmente, às ciências biológicas. Ensaios clínicos duplos-cegos desenvolvidos por cientistas roncolhos manetas surdos-mudos confirmaram que em terra de cego quem tem um olho é rei. Isso todo mundo já sabia, desde que o ser humano defeca agachado. O que muita gente desconhece é a história da medicina, por exemplo. Acho que é a respeito disso que eu quero escrever hoje. Ou não. Não sei. Sirvam-me um pouco mais desse calmante, por obséquio.

Houve um tempo remotíssimo em que fezes de crocodilos do Rio Nilo foram utilizadas como método anticoncepcional, com eficácia relativa, quando toletes reptilianos besuntados com mel e com salitre eram introduzidos em doses generosas no duto vaginal. Naquele tempo, não existiam vacinas e, mesmo assim, ninguém tinha medo de se transformar em jacaré pelo simples fato de usar excrementos na genitália para bloquear o milagre da multiplicação. A vida é um somatório de danos e de enganos. Durante a Idade Média, quando o medo de morrer de sífilis era brutal, o uso de camisinhas-de-seda pela homens da nobreza e pelo alto clero da igreja católica — apesar de confortável e elegante — redundou num sem-número de gravidezes indesejadas, de treponemas indesejados e de herdeiros indesejados, muitos deles condenados a arder na fogueira.

Quem não se lembra — eu não me lembro, juro pra vocês — que nossos antepassados já usaram teias de aranha para fazer curativos e para cicatrizar ferimentos na pele? Durante muito tempo, nos rincões brasileiros, a picumã — que são as teias de aranha breadas de cinza e de fuligem que se acumulam em chaminés domiciliares — foi largamente indicada para fazer curativos no umbigo dos recém-nascidos, até que alguém — um estudioso, um assaz observador — se tocasse de que havia muita criança morrendo de tétano por causa do uso daquela porcaria recolhida dos fogões de lenha.

Pesquisando nos anais da história — ui! —, deparamo-nos com a homofobia desde sempre e também com a constatação observacional de que as mulheres que menstruavam jamais enlouqueciam — em especial, as que nunca se casavam — o que levou os pesquisadores da época a concluírem que executar a sangria de alguns mililitros a partir de uma incisão na veia de um moribundo contribuiria, em tese, para o seu pronto restabelecimento. O uso desenfreado de camadas de sanguessugas sobre o tegumento daqueles miseráveis teve também, por incrível que pareça, o seu papel terapêutico, inspirado na mesma vertente de se arrancar o sangue de um sujeito adoecido na esperança de que ele aprumasse antes de sucumbir pela anemia.

Desde que os dinossauros fizeram A Grande Travessia pelo planeta em direção à extinção, os asmáticos nunca tiveram vida fácil. Durante as minhas crises de tosse e de dispneia, durante exaustivas pesquisas no verso das folhinhas do Calendário de Nossa Senhora Aparecida, constatei, abismado, que os esculápios do passado prescreviam aos seus pacientes bronquíticos a ingestão de peixinhos vivos como uma forma inusitada de terapêutica que, obviamente, com o passar do tempo, mostrou-se, não apenas ineficaz, mas, indigesta. Mais ou menos nessa época, as picaduras de abelhas foram amplamente utilizadas para o tratamento das mais variadas formas de artroses e de reumatismo. Tal tratamento empírico, doloroso, foi abandonado quando advieram os primeiros casos de morte por anafilaxia decorrente do veneno daqueles insetos. A ciência também sofre os seus perrengues, os seus revezes.

As doenças mentais foram vastamente tratadas por meio de cadeiras giratórias medicinais, nas quais os enfermos insanos eram atados e girados várias vezes até desfalecer. Acreditava-se que chacoalhar o cérebro de um mentecapto poderia colocar os seus neurônios e os seus parafusos em ordem, o que, obviamente, não acontecia. Se o dito-cujo não recobrasse o juízo ao final do tratamento de choque, era submetido ao Plano B, ainda mais agressivo: uma escalada bombástica de laxativos, uma infusão massiva de fumaça de tabaco pelo ânus — ai! — e, em último caso, a bruta, a famigerada trepanação, na qual cientistas destemidos abriam com um formão um buraco no crânio do indivíduo para ver o que tinha lá dentro e para deixar o cérebro respirar.

Como sempre aconteceu, havia também os pesquisadores mais polêmicos, mais atrevidos, mais atirados, os quais receitavam fluidos cadavéricos variados para que fossem injetados, besuntados ou ingeridos pelos enfermos em estado crítico, numa espécie de última cartada. Quem de vocês nunca experimentou a própria urina? Eu não. Até bem pouco tempo, o xixi era considerado um recurso natural promissor que teria a capacidade de curar as mais variadas doenças, em especial, a cárie, a gagueira, o mau hálito e as infecções de garganta. Para tais morbidades, receitavam-se bochechos e gargarejos com mijo da melhor qualidade, um tipo de terapia que se mostrou não apenas inócua, como, abjeta. Se beberem urina, não me dirijam a palavra.

Poderia aprofundar essa maçante, enfadonha dissertação cômico-acadêmica passando mais vergonha, pagando mais micos, avançando noutros temas de mau gosto, ainda menos polêmicos, como a Cura Gay, por exemplo, tão preconizada por religiões evangélicas terrivelmente pantagruélicas, mas, não farei isso, pois, além de se constituir num crime de intolerância de gênero, culminaria numa inútil perda de tempo e de paciência, transformando essa crônica num recurso insuportável, patético, repreensível, ou seja, na avacalhação completa das eivadas tentativas da ciência em resgatar determinadas mentes humanas obtusas dos cenários de trevas. Entenderam, finalmente, o meu ponto de vista? Caso afirmativo, por piedade, expliquem-me.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.