Um dia, daqui a meia dúzia de séculos futuro adentro, quando os carros voadores já terão se tornado meras carcaças expostas em museus, quando o teletransporte levar à falência a indústria da aviação e os foguetes se reduzirem à utilidade dos fogos de artifício, ainda será do conhecimento de todos que Roberta Sá foi a maior cantora de samba de sua geração.
Você me desculpe se isso parecer reducionista, porque é certo que Roberta é uma cantora que canta bonito qualquer coisa que se achegue ao seu coração festeiro. Mas em minha opinião ela é a grande intérprete de samba do Brasil destes nossos tempos. A maior!
Roberta é uma sambista de mãos cheias e coração pleno. Sem experimentalismos, seu trabalho oferece uma experiência bonita a quem o escuta. Todo o seu repertório, desde o primeiro disco, em 2005, é um movimento a serviço da alegria e da beleza da vida. É o que comprova, de novo, seu disco “Sambasá ao Vivo”. Que vocação bonita, Meu Deus!
Mais que o mero show do álbum de estúdio lançado em 2022, “Sambasá ao Vivo” é uma festa para os que estão aqui hoje e um recado generoso para o futuro.
Roberta oferece nesse disco um verdadeiro tratado do samba brasileiro e um guia ilustrado de suas riquezas. Em cada uma das 20 canções do álbum, gravado no Circo Viador, no Rio de Janeiro, o samba ali está representado e apresentado a seus ouvintes com carinho por Roberta.
Quanto respeito ela demonstra pelos compositores de tantas épocas. Gente como Dona Ivone Lara, Wanderley Monteiro, Toninho Geraes, Chico Alves, Nelson Rufino, Antonio Castro, Chico da Silva, Martinho da Vila, Dudu Nobre, Adriana Calcanhoto e tantos outros.
Suas mãos de artista tocam cuidadosas cada joia do repertório que ela nos mostra segurando-as nas pontas dos dedos e anunciando num sorriso irresistível: “divirtam-se!”
É o samba inteiro que ali está em sua filosofia da gente simples, sua sabedoria desconcertante, sua alma requintada, sua disciplina de relógio e toda a sua potência. Está tudo ali, impecável, deslumbrante, amorosa e definitivamente.
Nessa ciranda de pérolas, Roberta conta uma história linda, sobrevoa clássicos, apresenta composições e esparrama belezas feito um avião jorrando jatos de ternura em nosso chão pisoteado de grossuras, semeando amor por sobre nós. Tudo em forma de música, tudo em forma de samba.
Ouço esse disco repetidamente e penso aqui comigo: os dois minutos de beleza que uma canção nos oferece têm mais poder que o horror de uma vida inteira. Muito obrigado, Roberta! Vida longa ao samba. Vida longa a você!