Nem todos conseguem usufruir do grande privilégio de poder, a certa quadra de sua história, encontrar uma razão — ou ser dominado por ela — para mudar radicalmente de vida, como se surpreendido por alguma conta inesperada, que chega num momento em que, pensávamos, seria de relativa serenidade. “Correr Atirando” sabe dosar os principais elementos dos filmes de ação, cada vez mais gastos, com o suspense em torno de Ray, um homem cujo passado sombrio, de que se arrepende com sinceridade, decide ressurgir de cinzas que são, na verdade, brasas prontas para cobrir tudo de fogo mais uma vez. Roteirista do ótimo “Instinto Assassino” (2022), Christopher Borrelli serve-se da mesma fórmula exitosa para falar de responsabilidade sobre escolhas, arrependimento, os medos que nunca deixam de pairar sobre a cabeça do homem, mesmo quando toma a atitude certa, tudo refervendo junto com esqueletos que teimam em sair de armários para assombrar o protagonista, que por seu turno, vai se acostumando e respondendo à altura.
A abertura direta, que joga o filme no enredo sem rodeios, mesmeriza pela beleza das imagens de um deserto laranja sob o céu resplandecente do azul límpido. A fotografia de Adam Lee mostra-se um dos grandes trunfos ao longo de pouco mais de hora e meia de projeção, imprimindo às cenas de tensão um respiro estético que cai muito bem. A primeira delas é a de um homem na ponta de uma corda enquanto outro aguarda pelo encontro forçoso com a morte na caçamba de uma picape velha — fetiche surrado, mas efetivamente funcional —, pelas mãos do carrasco de Angel Rosario Jr., que combina um programinha a dois pelo telefone enquanto sua vítima agoniza. Este homem, o personagem de Ben Milliken, escapa, e é a partir dessa minudência que a trama se ergue, com Ray tornando-se um honesto empresário do ramo de pneus, mas acossado por nuvens sombrias que estragam o dia de sol que, pensou, seria sua nova jornada. Shoemaker, a mafiosa vivida por Michelle Jubilee Gonzalez, alia-se a Greyson, um sujeito que levantou fortuna mediante negócios escusos, e em comum, os dois têm a necessidade de sustentar seu patrimônio investindo no expediente que conhecem como poucos. O vilão interpretado por Richard King delega a Billings a função de se apoderar de uma bolsa contendo algumas centenas de milhares de dólares. Ou Ray entrega tudo de mão beijada ao capanga de Greyson, ou assume o risco de arrastar a namorada Faith, papel de Janel Parrish, para o olho do furacão.
Em seu último trabalho, Brad William Henke (1966-2022) encarna um antagonista muito mais carismático que o galã torto de Milliken, ainda que, especialmente no desfecho, “Correr Atirando” transforme-se numa variação sobre um mesmo tema. A propósito, Faith e Billings nunca se encontram, e o casal desse romance improvável volta para casa, dispondo de uma conta nas ilhas Cayman para, afinal, recomeçar.
Filme: Correr Atirando
Direção: Christopher Borrelli
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 8/10