No bar, no salão, no trabalho, na mesa de jantar ou nas redes sociais, invariavelmente inicia-se a cena de alguém falando mal de outro alguém. Nesses momentos me ocorre uma sensação de desconforto tremenda. Às vezes, porque gosto da pessoa à qual o outro insiste em maldizer, mas principalmente porque acabo vendo no falador algumas características que até então desconhecia.
Uma das razões pelas quais algumas pessoas nunca se sentem felizes é porque estão a cuidar da vida alheia e pouco de si mesmas. Costumam não falar de suas próprias histórias, pois a verdade é que sua vida pouco lhes interessa. Estão bagunçadas demais intimamente. Olhar para dentro de si é um ato de muita coragem; e nem todos seguem dispostos a se enxergar com franqueza. Falar mal de alguém pode representar uma tentativa de desviar o foco sobre os próprios tormentos. Por essa razão, parece ser uma saída mais fácil tatear algo que está fora e expulsar para alguém o que é legitimamente nosso. Mas não é. Nenhum mal resolvido pode ser exilado de nós dessa maneira. É inútil.
“Somos donos do que calamos e escravos do que falamos.” Freud, o neurologista que criou o método “talking cure” (cura pela fala), conhecia mesmo o valor da palavra. Sabia o quanto o peixe morre pela boca. Morre, não no sentido literal por ter mordido uma isca traidora. Morre porque se entrega por inteiro no exato momento em que maldiz alguém. Ao denegrir o outro, fica ali escancarado tudo que o se é e não o que pertence ao outro.
Quem vive a julgar acaba por se entregar. E assim, divulga suas intimidades, suas fraquezas. Revela sua impotência, sua sexualidade, expõe suas aversões. Manifesta sua intolerância, sua atormentadora dificuldade em lidar com a opinião diferente. Exibe seus medos, seus desejos velados, conta os segredos mais íntimos, sem ao menos se dar conta que o faz. Ao falar mal de alguém não escancaramos o caráter do outro, mas sim o nosso.
Sabe aquele maldizer exagerado, esbravejado, exposto em demasia? Sim, ele também conta coisas sobre nós. É bem provável que no íntimo exista uma simpatia pela ideia ou pessoa a quem tentamos expor de maneira tão depreciativa. É uma espécie de amor enfermo, convertido em ódio. Aquilo que se odeia no outro é justamente o que repulsamos em nós.
O ódio é o amor adoecido pela intolerância, principalmente a intolerância que direcionamos primeiro a nós mesmos. É preciso que o mal dito seja falado, mas ele jamais será traduzido se continuarmos endereçando as palavras e o olhar somente ao outro. Ver-se é um arremessar-se para dentro sem precedentes. Não dá pra prever o que vamos encontrar. É perigoso, eu sei, mas é libertador.
Título tomado de empréstimo de Lise Bourbeau. A frase foi equivocadamente atribuída a Sigmund Freud.