Estou dispensada do mundo. Por essa razão, preciso fazer algo muito importante: absolutamente nada. Almejo ser inútil nesse dia. Escorregar do sofá pra cama, da cama pro sofá. Não quero malhar os glúteos. Quero enchê-los de gordura trans e Coca-Cola. Quero ficar sozinha, despenteada, andando maltrapilha pela casa, vestida com o pijama rasgado que minha tia me deu no natal de 1990.
Nesse inesquecível dia estarei esparramada no chão, enquanto sacrifico-me para levantar as pernas e deixar finalmente o meu gato passar. Vou escutar esse maldito telefone tocar atééééé seu último suspiro de vida. Não quero urgências, emergências, quero ser desnecessária para a humanidade. Quero uma tarde prescindível, em que a maior superação seja conseguir me esticar e pegar o controle remoto que encontra-se a longos dois metros de alcance das minhas mãos. Não quero lembrar do bigode da minha chefe e de sua saliva caindo em cima mim, toda vez que ela fala.
Não tô a fim de terminar aquele livro longo, só porque todos estão lendo este best seller. Não vou sequer folhear o jornal. Pouco quero saber de atualidades. Quem matou quem, quem roubou quem, quem comeu quem. Não aceito golpe ao meu dia inútil e feliz! Anseio mesmo é assistir uma sequência de comédias românticas, sem que nenhum neurônio ouse movimentar-se. Não quero sinapses. Não aceitamos filmes para pensar, apenas para ver. “Lagoa Azul”, “Elvira a Rainha das Trevas” e “Os Saltimbancos Trapalhões”, essa é a meta.
Por aqui o único ser bem-vindo é o entregador do delivery, que surge como um agente 007, para me salvar da morte por desnutrição — ou me matar de vez, sei lá. Coloquei três sabores na minha pizza, não posso perder tempo tentando decidir. Depois vou resgatar todos os doces que escondi de mim mesma por meses. Aí, já quase diabética, fecho os olhos e imagino que a louça do almoço de ontem vai se desintegrar da pia e a paz retornará ao lar. Amém.
Será que é pedir demais? Me deixem ser eu, pelo menos nessa tarde.
Não vou escovar os dentes, arrumar a cama e descer o lixo. Banho pra quê? Quase não me mexo nesse excelente apartamento de trinta e poucos metros quadrados. Aliás, depois de longos anos por aqui, virei praticamente um quadrado. Viva o ócio e todas as suas alegrias. Ai como é bom às vezes ser inaproveitável!
Intento escrever um texto inútil, não tenho de ser genial e acertar todas as matérias da semana. Na boa, hoje não quero likes, quero minha parte em ócio. Não tô muito a fim de novidade. Preciso curtir a vida, enquanto há tempo. Quero deixar o olhar perdido e, ao soar da sirene lá fora, acordar e me lembrar onde estou. Sem me dar conta, de quanto tempo fiquei parada ali, olhando pro nada. Esticar os pés para cima, na vertical, encostar o calcanhar na parede e ficar falando sozinha. Vou cantarolar “Hymne a L´amour” da Piaf e fingir que falo francês. Eu quero andar pelada pela minha casa. Posso? Vou colocar uma peruca blonde, dançar “Like a Virgin” e rir da cara do meu vizinho patético me espiando com binóculo.
Ai, ai, amanhã logo cedo toda cretinice do mundo há de voltar. Lá vou eu esquecer de mim outra vez. Que pena, às vezes é ótimo ser eu.