Bula de Livro: Pescar Truta na América, de Richard Brautigan

Bula de Livro: Pescar Truta na América, de Richard Brautigan

Meninas e meninos, eu li o romance “Pescar Truta na América”, de Richard Brautigan, e fiquei com vontade de escrever um brautigan como antes se escrevia romances. O título original de “Pescar Truta na América” é “Trout Fishing in America” porque o livro foi escrito em inglês por um autor americano, nascido em 1935. A edição brasileira de “Pescar Truta na América” se parece bastante com a edição americana de “Pescar Truta na América”, com a principal diferença de que está impressa em português e não em inglês. Essa diferença só foi possível graças ao tradutor, que foi o grande escritor José J. Veiga, que conheceu, ou pescou, Richard Brautigan na década de 1970 em uma livraria na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, que só vendia livros importados. Veiga morava em uma cidade com rio no nome e a primeira letra de seus dois primeiros nomes é J. A letra J se parece com um anzol, objeto fundamental para quem pretende pescar trutas. Trutas são peixes de água doce, peixes de rio. Veiga pescou Brautigan em uma cidade com rio no nome, mas que é conhecida mundialmente por suas praias. Todas as praias, salvo engano, são banhadas por água salgada. Mas isso não atrapalha na tradução. 

“Pescar Truta na América” é o que podemos chamar de romance experimental, se o gênero literário chamado romance não estiver morto, como muitos dizem. Romance é chamado de “novel” em inglês, língua em que “Pescar Truta na América” apareceu primeiro, como escrevemos, em português, logo acima. A tradução literal de “Novel” é novidade. Se José J. Veiga, que era tradutor, não estivesse morto você poderia confirmar com ele. Infelizmente, não é mais possível. Acredite em mim. Em todo caso, se tem uma coisa que romance não é mais é “novidade”. A não ser que esteja morto mesmo e a novidade seja essa, embora já estejam falando dessa tal morte do romance há décadas. “Pescar Truta na América”, sendo um romance experimental, é uma tentativa de renovar o gênero romance. Mas essa tentativa também é antiga. “Pescar Truta na América” foi publicado pela primeira vez em 1971. Eu não tinha nascido ainda, e já sou velho. Já faz muito tempo que a década de 1970 acabou, o romance pode ter morrido depois disso, se é mesmo que morreu.

O livro conta com cinquenta capítulos curtos. Alguns deles têm títulos engraçados como “Terroristas Pescar Truta na América”, “O Projeto de Mandar o Anão de Pescar Trutas na América” e “Pescar Truta na Rua da Eternidade”. O nome de um capítulo de “Pescar Truta na América” é particularmente interessante porque se chama “A Autópsia de Pescar Truta na América”. Fiquei pensando se era um capítulo sobre a morte do romance e o romance autopsiado para procurar a causa da morte não seria justamente “Pescar Truta na América”. Mas eu li o capítulo (na verdade li o livro todo) e não é esse o tema. Mas é um capítulo muito bom que começa citando o poeta romântico inglês Lorde Byron, que morreu na Grécia em 1824. Não morreu pescando trutas na América, mas imagino que seja mais conveniente, e romântico, para um poeta romântico inglês do século 19 morrer na Grécia romântica do mesmo século, antes dos turistas tomarem conta de tudo, inclusive das pescarias de trutas na América.     

Em resumo, “Pescar Truta na América” é um ótimo livro. Recomendamos que seja lido, preferencialmente, diante de um rio, pescando trutas, se possível. Você prende a vara de pescar em uma pedra pesada e deita ao lado para ler. Quando cansar, se nenhuma truta tiver mordido a isca presa na letra J ainda, você coloca o livro aberto sobre seu rosto e dorme. Quando acordar, garanto que estará cercado de brautigans. Você pode ler ou você pode comer.


Livro: Pescar Truta na América
Autor: Richard Brautigan
Tradutor: José J. Veiga
Páginas: 177 páginas
Editora: Marco Zero
Nota: 9/10

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.