De tempos em tempos, a Revista Bula é acusada de alguma coisa. Já foi acusada de destruir infâncias ao divulgar a infame Teoria do Chaves. Olavo de Carvalho acusou a Bula de charlatanismo quando declarou que Felipe Neto era o intelectual mais influente do Brasil. O velho não entendeu a piada, que virou profecia. O próprio Felipe Neto esbravejou indignado, acusando-nos de tentar ridicularizá-lo. Injusto. Temos total confiança de que Felipe Neto não precisa de ajuda neste quesito. Enfim, são muitas e muitas histórias.
A acusação mais recente é que a Revista Bula não gosta de cinema brasileiro, preferindo o cinema argentino. Injustiça. Prova disso é que consideramos alguns filmes brasileiros tão bons que até parecem produções argentinas. Apresentamos aqui cinco exemplos recentes. Reparem que não apelamos. Não são obras-primas reconhecidas mundialmente como “Cidade de Deus”, “Lavoura Arcaica”, “Central do Brasil” ou “Tropa de Elite”. Também evitamos o mundo cão à brasileira de “Bacurau”, “Amarelo Manga” ou “Bicho de Sete Cabeças”. Tampouco o estilo cinematográfico de Guel Arraes de “Auto da Compadecida”, “Caramuru” e “Lisbela e o Prisioneiro”. As obras citadas merecem ser conhecidas, dos dois lados da fronteira.
Selton Mello é o Ricardo Darin brasileiro. Está em todas. Geralmente, atuando. Aqui ele dirige seu melhor trabalho, adaptando o romance “Um Pai de Cinema”, do escritor chileno Antonio Skármeta, mesmo autor de “O Carteiro e o Poeta”.
Por que parece argentino?
O filme é sensível e elegante, sem cair para o piegas ou apelar para o melodrama, saída fácil que muitas vezes nossos realizadores escolhem. Além disso, a adaptação do romance ficou muito bem-feita, provando que os roteiristas realmente leram a obra base. Algo raro.
Um escritor diletante, casado com uma professora universitária culta e descolada, se envolve com uma professora de dança argentina, amiga e talvez amante de sua esposa. Começa um triângulo amoroso que é uma verdadeira ponte da amizade colorida.
Por que parece argentino?
Além de ter uma atriz argentina no elenco, o roteiro de Paulo Halm é muito bem escrito, mostrando que entende de estrutura e rimas temáticas. Não deixa pontas soltas e mantém o ritmo do começo ao fim. O humor é inteligente, irônico e refinado. Não aposta na velha tradição brazuca do “vamos improvisar e ver no que vai dar sendo criativos”.
Considero “O Passado” o melhor trabalho do brilhante cineasta Hector Babenco. O que não é fácil, considerando que ele dirigiu pérolas como “Pixote, a lei do mais fraco” e “O Beijo da Mulher Aranha”. Não sou admirador de “Carandiru” e “Coração Iluminado”, mas isso não importa agora. O fato é que “O Passado” trabalha com profundidade temas como ciúme, obsessão e a dificuldade do desapego, mesmo quando o desamor é evidente.
Por que parece argentino?
Talvez porque foi gravado, com recursos brasileiros, quase que inteiramente na Argentina por um cineasta argentino naturalizado brasileiro, adaptando um romance homônimo escrito pelo autor argentino Alan Pauls.
No Nordeste brasileiro ocorre o teste que comprovou a Teoria da Relatividade de Einstein. Fernanda Montenegro interpreta Fernanda Torres idosa. Fernanda Torres interpreta Fernanda Montenegro jovem. Não tinha como dar errado.
Por que parece argentino?
O filme é inteligente, sério e contemplativo sem ser pedante, pernóstico e autoindulgente, fazendo imitações baratas de Tarkovsky, como é comum entre os cineastas brasileiros recém-formados em busca de um estilo.
Provavelmente, o filme brasileiro mais engraçado dos últimos vinte anos. Discute temas como memória coletiva, modernidade, patrimônio cultural material e imaterial, com leveza e sagacidade, incorporando ironia fina e pitadas de cultura pop.
Por que parece argentino?
Os pobres não são apresentados como entidades místicas acima do bem e do mal ou representações da luta de classes. Possuem defeitos, qualidades, orgulho, preconceitos, ambições, personalidades diferentes, essas coisas que os pobres da vida real possuem.