Cada um reivindica o que considera ser justo, e sentimentos como amor, fúria, desejo, ganância sobem e descem na escala da vida de acordo com o lugar em que nos achamos. Essa verdadeira guerra acha esteio nas batalhas cruentas da vida real quando, uma vez aberto o flanco, não se pode conter a horda de invasores que parte para cima de muito mais que um corpo físico num lugar supostamente errado, noção que o protagonista de “Kingudamu” incorpora à perfeição. A adaptação fiel de Shinsuke Sato para a série de mangá escrita e ilustrada por Yasuhisa Hara, muito popular em meio ao público japonês, captura esse espírito de verdadeira comoção em torno de uma história que sabe-se fantástica, avessa a qualquer parâmetro com a realidade, ao passo que o ajusta aos grandes épicos de heróis e semideuses ovacionados pelo cinema.
Em 255 a.C, no reino de Qin, extremo oeste do que hoje é o território chinês, uma charrete atravessa um campo de vegetação rasteira, sob o céu pálido de nuvens diáfanas, como se esgarçadas pelo tempo, testemunhas das milenares pelejas entre dinastias da Ásia Antiga. Vendido como escravo e levado como um animal, Lin Xin não se conforma com o destino em que lhe querem aprisionar e seu dom natural para a liderança começa despontar à medida que ganha a confiança de Piao, o lavrador vivido por Ryo Yoshizawa, escravizado anos antes. Na pele de Xin, Kento Yamazaki convence como um doce rebelde, inicialmente resignado com sua nova condição, mas que aos poucos desperta para a urgência do confronto, insuflado pela figura majestática de Ouki, onde todos os mais destemidos guerreiros não são nada além que peões no tabuleiro deste senhor da guerra.
O roteiro de Sato, Hara e Tsutomu Kuroiwa elabora essa necessidade de seu protagonista por liberdade, ainda menino, mas ultrajado pela sorte, certo de que sua mudança de vida só será possível pela espada. Antes de levar a narrativa para um segundo ato flagrantemente bélico, que se estende até o desfecho, o diretor crava seu filme de imagens em que alia trechos que parecem apenas embelezar o quadro a diálogos precisos, que sintetizam a angústia existencial de Xin frente a uma verdadeira lenda, um homem respeitado e temido por sua formação militar. A sequência em que a cavalaria do general Ouki aguarda a caravana que traz o novo servo prepara o espectador para as cenas em Xin, crescendo num ambiente conflagrado de injustiça e perversão, passe a fazer do encontro com esse grande mito das frente de batalha o alimento que o mantém vivo. Esse é o mote de que Sato se vale para postergar o enfrentamento dos dois e mostrá-lo em “Kingdom 2: Far and Away” (2022).
Filme: Kingudamu
Direção: Shinsuke Sato
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Guerra
Nota: 8/10