O thriller social já existe há muitas décadas, mas desde que Jordan Peele chegou com seu paralisante “Corra!”, caminhos foram abertos para que muitos cineastas negros também costurassem suas críticas contra o racismo institucionalizado, no que hoje há uma manta fecunda de obras interessantes do blaxploitation.
Com o potencial, astúcia e inteligência de Peele, apenas Donald Glover com seu “Atlanta” compete no mesmo nível. Mesmo assim, não deixa de ser enriquecedor observar o movimento que cresce e transforma as estruturas do suspense no cinema, ao mesmo tempo em que ocupa seu espaço culturalmente e dialoga com os espectadores para que, um dia, tome proporções de transformação social.
Particularmente, achei o novo thriller de Juel Taylor, “Clonaram, Tyrone!” uma mistura de “Dois Estranhos”, de Travon Free, com “Desculpe Te Incomodar”, de Boots Riley. O que não é nenhuma ofensa, já que as duas produções são bastante criativas, inusitadas e inteligentes. “Cloranaram, Tyrone!” é um filme excêntrico e sinistro. Tem uma fotografia esverdeada, quente, supersaturada, enevoada e noir que aumenta o clima de tensão e mistério.
O enredo gira em torno de Fontaine (John Boyega), um traficante que é morto por uma saraivada de tiros pelo rival no crime, Isaac (J. Alphhonse Nicholson). Para a surpresa de Fontaine e da testemunha do assassinato, o cafetão Slick Charles (Jamie Foxx), o traficante acorda na manhã seguinte na sua cama, sem nenhum arranhão, como se nada tivesse acontecido. À princípio, ele acredita que tudo não passou de um pesadelo, mas as coisas começam a ficar estranhas.
Primeiro, ele vê uma van levando embora um homem esfaqueado na rua. Depois, quando vai cobrar uma dívida de Slick Charles, ouve dele a mesma história de seu “pesadelo”, sobre ele ter sido peneirado por Isaac. Então, Fontaine, Slick Charles e a prostituta Yo-Yo (Teyonah Parris) decidem investigar o que está acontecendo.
Eles descobrem uma conspiração contra a comunidade negra, que envolve a igreja, o governo e sabe-se lá mais o quê. Os negros estão sendo clonados e substituídos por experimentos que podem ter suas mentes controladas por autoridades. Além disso, as novas versões pretendem vir com uma aprimoração genética, seja pele ou olhos mais claros, narizes mais finos etc.
Em uma cena, o cientista (que também é negro) à frente dos experimentos reclama que há algo difícil de ser modificado e que resiste às mudanças no DNA: o cabelo. Há algo de tão engenhoso e genial nesse diálogo, já que o cabelo afro é o maior símbolo do empoderamento negro, mostrando que não importa o quanto se tente embranquecer a população ou fazer com que os negros desapareçam, eles sempre estarão lá. O cabelo crespo e volumoso é símbolo de resistência.
O longa-metragem de Juel Taylor pega elementos de suspense, ficção-científica e comédia e bate tudo no liquidificador, oferecendo para o público uma obra provocativa e cerebral, recheada de diálogos perspicazes, engraçados e com mensagens subliminares.
Dinâmico, falastrão e com excelentes atuações, “Cloranaram, Tyrone!” aborda diversos temas relacionados ao racismo, incluindo problemas da própria comunidade negra, como responsabilidade e culpa, privilégios e auto-ódio. Dentre os mais diversos cineastas que se inspiraram em Peele, Taylor foi um dos mais bem-sucedidos até agora.
Filme: Clonaram, Tyrone!
Direção: Juel Taylor
Ano: 2023
Gênero: Suspense / Ficção-científica / Comédia
Nota: 10/10