Um dos melodramas mais famosos de todos os tempos no cinema, “Lendas da Paixão” é baseado na novela homônima de 1979, escrita por Jim Harrison. A história é centrada na família Ludlow, que habita um rancho em Montana (embora as gravações tenham ocorrido em Calgary, no Canadá). Ambientada no primeiro quarto do século 20, a parábola dos três irmãos que são companheiros leais e inseparáveis, mas também adversários no amor, levou duas décadas para sair da mente do cineasta Edward Zwick e se transformar em uma das mais belas pinturas audiovisuais, ganhadora do Oscar de melhor fotografia. Mérito de John Toll, que também levou a estatueta por “Coração Valente”.
Durante os anos 1990, o longa-metragem que se passa após a Primeira Guerra Mundial foi subestimado por críticos, que não achavam que seu sucesso perduraria. Mas ainda hoje, quando se assiste ao filme de 1994, é impossível resistir à sua beleza estética, que jamais envelheceu, às atuações sentimentais e cheias de entrega pessoal e à sua energia selvagem e passional. No rancho Rafters Six Resort, onde foram feitas as gravações e que hoje funciona como uma hospedaria, vive o coronel Ludlow (sir Anthony Hopkins) e seus três filhos, Alfred (Aidan Quinn), Tristan (Brad Pitt) e Samuel (Henrique Thomas). Os irmãos possuem personalidades bastante distintas, das quais a de Tristan é a que mais chama atenção.
No passado, o coronel testemunhou a crueldade de sua própria cavalaria contra os indígenas, povo com o qual se aliou e decidiu viver pacificamente, compartilhando de sua cultura e tradição. Entre os amigos leais e funcionários, estão Facada (Gordon em Toowoomba), que narra a história, e a família formada por Decker (Paul Desmond), Pet (Cardeal Tantoo) e a filha mestiça do casal, Isabel (Karina Lombard).
Enquanto o mais novo dos Ludlow, Samuel, é um idealista inveterado, o mais velho, Alfred, é um homem inequívoco, que se preocupa em seguir regras e ser bem-sucedido. Já a personalidade de Tristan é a mais inquieta, rebelde e indomável. Ela se funde com a de um urso que o atacou quando adolescente e que se torna um espírito a atormentar e guiar sua mente.
O personagem de Tristan é extremamente romantizado, não apenas porque ele é o mais bonito e charmoso dos três irmãos, mas porque ele é, sem esforços, o mais carismático, livre e caloroso entre eles. Todos, homens e mulheres, velhos e jovens, são seduzidos por sua personalidade deslumbrante e que preenche todos os ambientes, embora por dentro ele tenha uma alma torturada. Há algo de místico e misterioso por trás de sua persona.
Quando Samuel leva Susannah (Julia Ormond) para o rancho, uma mulher culta e de beleza etérea, ela logo se torna o centro da atenção dos três irmãos. Samuel pretende se casar com ela, mas logo o brilho de Tristan ofusca o mais novo. A jovem se vê encantada pelo irmão de seu noivo. Quando Samuel decide combater na Primeira Guerra Mundial, à despeito das opiniões de seu pai, um antiguerra, os irmãos mais velhos decidem se alistar também com o intuito de protegê-lo e trazê-lo vivo de volta para casa.
Agora, distantes na França e em uma encruzilhada contra os japoneses, mesmo com os dois guarda-costas em seu encalço, Samuel escapa e para sozinho em um campo de batalha, onde morre pelas mãos inimigas. Desesperado pela perda do irmão e por ter fracassado na promessa de protegê-lo, Tristan percorre o acampamento rival dizimando dezenas de soldados e arrancando-lhes o escalpo. Humilhado por ter falhado, ele envia o coração de Samuel ao pai em uma lata de alumínio para que seja enterrado no rancho da família. Alfred, ferido, retorna com o pacote nas mãos, enquanto Tristan desaparece mundo afora e alimenta lendas sobre seu paradeiro.
Susannah, agora sem noivo e distante de sua família, encontra no rancho dos Ludlow seu lar. Lá ela faz companhia ao coronel durante muitos anos e o ajuda a educar a pequena Isabel. Quando Tristan retorna, anos mais tarde, reencontra Susannah, que não amoleceu às investidas de Alfred. Agora com Samuel morto, ela e Tristan podem finalmente consolidar o amor que guardavam platonicamente dentro de si. Mas o romance acirra uma disputa entre os dois irmãos. Alfred insinua que Tristan deixou Samuel morrer propositalmente para ficar com sua noiva. Sem superar os traumas vividos na guerra e a perda de Samuel, Tristan sente seu espírito ser atormentado dia e noite. Então decide que precisa ir embora em busca de paz.
Desta vez, a jornada é mais longa. Se passa tanto tempo, que a família não acredita mais que irá vê-lo novamente. Após receber uma carta de Tristan dizendo que o amor entre eles morreu e que ela deve se casar novamente, Susannah decide, finalmente, se entregar a Alfred, que agora se tornou um congressista, contra a vontade de seu pai.
Quando a silhueta de Tristan surge novamente no horizonte, avistada e pressentida por Facada, o rancho recupera uma energia há tempos perdida. Mas as coisas não são mais como antes. Alfred e Susannah vivem em uma mansão na cidade. O coronel arrasta uma perna e tem o rosto paralisado, além de não conseguir mais falar, depois de um derrame. Isabel cresceu e se tornou uma beldade, que deixa Tristan enfeitiçado. Logo os dois vivem um romance mais bem-resolvido que o de Tristan com Susannah, e o anti-herói encontra a calmaria que precisava para seu coração. Mas, como um filme longo, com uma trama cheia de narrativas e complexidades e personagens bem-construídos, além de reviravoltas, muita água ainda há de correr neste rio.
“Lendas da Paixão” é uma obra-prima construída com meros 30 milhões de dólares e nenhum CGI. Com uma bilheteria de 160 milhões, o filme recuperou bem seus gastos e superou as expectativas. Com atuações consistentes, um roteiro cheio de substância e um visual que não tem como ficar cafona, o longa-metragem já é um novo clássico do cinema, que merece ser degustado como um prato de chef.
Filme: Lendas da Paixão
Direção: Edward Zwick
Ano: 1994
Gênero: Drama/ Romance
Nota: 10/10