Se os homens não fossem responsáveis por suas atitudes, se não houvesse mesmo nada que pudéssemos fazer quanto a garantir que nossas escolhas se voltassem ao bem comum, e, pior, se ninguém jamais escolhesse nada e a vida apenas seguisse seu próprio rumo, por mais que nos esforçássemos, até mesmo se estar no mundo se resumisse a uma cornucópia sem fim de privações, “Um Amor Após a Vida” fizesse, talvez, algum sentido. Harry Greenberger aposta num nonsense nada racional a fim de defender uma ideia decerto criativa, mas cheia de brechas lógicas, sinalizando para uma compreensão muito idiossincrásica do existir, da morte, do amor e da urgência da humanidade quanto a se pegar ao mais humano dos sentimentos para ter uma chance, por mínima que seja, de salvar-se. Greenberger flerta com o ridículo e muitas vezes parece deixar que a história se fixe nas tantas imagens delirantes para que seu texto vá adquirindo consistência, porém a falta de traquejo com assunto tão delicado compromete o todo.
Uma vez que o pão vira torrada, ele nunca mais volta a ser o pão que era. Essa é a primeira frase de uma longa deambulação retórica sobre a comédia dos erros que é a natureza do homem, a mais desgraçada das espécies da Criação. Michael, o anti-herói encarnado por Andy Karl, compõe uma longa enumeração, que principia com comentários quanto ao melhor caminho a se tomar, e acaba numa hipótese pouco cortês sobre uma menina ruiva. O diretor-roteirista movimenta com mais força o eixo da narrativa conforme Michael se dá conta de que seu tempo no plano da matéria chegou mesmo ao fim, e não lhe resta nenhuma alternativa se não lidar com essa nova realidade, a despeito de tudo quanto pensa ainda ter a dispor na Terra. Ele não sabe exatamente como foi sua morte, mas é certo que agora encontra-se um lugar nada acolhedor em seu exotismo frio onde tudo funciona sem margem para deslizes e regra nenhuma pode ser rompida ou sequer adaptada. Essa sensação de crescente desconforto, visual inclusive, vai se tornando intolerável um suplício com a fotografia de Christopher Walters quase a estourar a cena com tons excessivamente claros durante a entrevista da nova alma penada com Scarlett, espécie de bedel do além-túmulo interpretada por Christina Ricci. É visível o empenho da dupla em alavancar a história, mas o exaustivo lero-lero fundado sobre a irrelevância de nossas decisões frente ao caos intangível do universo, como se não tivéssemos capacidade de nos levantar contra o que não nos agrada e embarga-nos o caminhar, não ajuda.
No terceiro ato, Greenberger parte para o tudo ou nada sacando pílulas do que Wim Wenders apresenta em “Asas do Desejo” (1987) e as amalgama com boa dose “Ghost” (1990), de Jerry Zucker, sem o romance de Michael e Honey Bee, a mocinha atormentada de Nora Arnezeder, se pareça com um ou outro. No fim, não se sabe o que “Um Amor Após a Vida” quis dizer ao cabo de mais de duas horas, restando ao espectador imaginar, imaginar, imaginar.
Filme: Um Amor Após a Vida
Direção: Harry Greenberger
Ano: 2020
Gênero: Romance/Comédia
Nota: 7/10