A comédia que não vai subestimar sua inteligência é tesourinho que acaba de chegar na Netflix Matt Kennedy / Focus Features

A comédia que não vai subestimar sua inteligência é tesourinho que acaba de chegar na Netflix

“Falsos Milionários” explora os absurdos dos Dyne, uma família americana nada convencional. É um campo minado tentar definir esse grupo de pessoas que não são exatamente anticapitalistas, porque se sentem atraídos por objetos de consumo, mas resistem ao controle do capital. Afinal, se negam a fazer parte da grande maioria que se senta atrás de computadores em um escritório das 8h às 18h. Mas, então, como sobrevive esse trio, formado pelo patriarca Robert (Richard Jenkins), sua esposa Theresa (Debra Winger) e a filha do casal, Old Dolio (Evan Rachel Wood)? Morando em um escritório atrás de uma fábrica de sabão, a família, que deve meses de um aluguel barato, vive graças a pequenos golpes e estelionatos que pratica. Mas o que consegue é insuficiente para dar-lhes uma vida confortável.

É importante descrever a estética deste grupo estranho, com cabelos desgrenhados e roupas incomuns. O pai parece um professor, de óculos e suéter de lã. A mãe usa saias ou vestidos florais longos, com meias até as canelas e sapatos masculinos. O visual que mais chama atenção é de Old Dolio, que parece constantemente desconfortável dentro de sua capa de pele e ossos e se cobre com calças largas e agasalhos compridos. Seus trejeitos não são femininos e ela não usa maquiagem. É como se quisesse esconder sua feminilidade e seu corpo do mundo. Ela escapa de qualquer tentativa de sexualização de sua imagem.

A relação entre eles também não é nada comum. Eles se comunicam sem afeto e nunca sorriem. Quando Old Dolio assiste uma gravação de um parto que mostra o bebê sendo acolhido pela mãe e se arrastando até o peito para amamentar, a imagem gera questionamentos em sua mente. Por que ela nunca foi acolhida por sua mãe? Por que sua relação com os pais é mecânica e desprovida de emoções?

Quando o trio conhece Melanie (Gina Rodriguez) em um avião, a dinâmica familiar se transforma. Melanie é uma vendedora de óculos no shopping, viciada em cartão de crédito, consumista e cheia de bugigangas em seu apartamento. Quando Old Dolio diz que Robert e Theresa são seus pais, Melanie pergunta: “Em que sentido?”. Embora compartilhem dos genes, a relação entre os três não é como de uma família. Eles agem como uma gangue.

Melanie sabe das atividades ilegais do trio e se aproxima deles, porque acha tudo emocionante e cheio de adrenalina. Ela os ajuda em seus pequenos golpes e isso a deixa mais íntima de Old Dolio. As duas são exatos opostos. Enquanto Melanie é feminina e extrovertida. Old Dolio é introspectiva e andrógina. O contato com Melanie faz com que Old Dolio desconfortavelmente abandone seu casulo e se abra para o mundo. Essa relação proporciona afeto e normalidade, algo que a filha dos Dyne jamais experimentou.

Dirigido e escrito por Miranda July, esposa do também cineasta Mike Mills, “Falsos Milionários” é uma espécie de produção underground, porque não se encaixa em filmes do circuito. Seu humor inteligente e perspicaz pode não agradar todo tipo de público, mas atrai espectadores curiosos e em busca de obras com pegada mais original. Com diálogos extremamente bem-escritos e personagens bem desenvolvidos, o roteiro  de July traz reflexões sobre relações tóxicas entre pais e filhos e sobre como as ansiedades dos pais em relação ao dinheiro afeta a autoestima, estabilidade emocional e sentimento de segurança das crianças.


Filme: Falsos Milionários
Direção: Miranda July
Ano: 2020
Gênero: Comédia / Policial / Drama
Nota: 9/10