Espalhar as sementes do amor ladeira abaixo, pelos quatro cantos do mundo, sobre a superfície de uma esfera azul, flutuante, antes destituída de ângulos agudos, de escapes obtusos na direção da reta absoluta; um planeta formidável com cara e jeito de asteroide, um grão congesto de poeira ínfima, partícula silenciosa a flainar de soberba na incompletude do universo. Espalhar as sementes do amor com a pujança do verso, ainda que intangível, ainda que intrincado àqueles que perderam a capacidade de sublimação desde que se permitiram deixar de ser criança. Tornar plausível a verossimilhança com a semeadura primordial e longeva feita com as próprias mãos — as mãos que balançam um berço, as mãos que acariciam um bichano, as mãos que consolam um desesperado — em tempos desperdiçados com violência e com intolerância. Existe uma distância entre o querer e o poder. Algo que se mede com uma régua, algo que se concebe com uma trégua, numa aferição bisonha de quem pode mais. Eu posso menos e isso não tem a menor importância de acordo com os parâmetros imensuráveis do sonho, os restos infinitesimais da poeira cósmica que sopra desde os meus baços olhos até os abrolhos do universo. De novo, o substantivo que alude ao verso disfarçado de crônica, de prosa, de bula, duma capacidade insondável de se fazer um pensamento positivo pegar no tranco. Já faz tempo que empurro o velho carro da felicidade pelas esburacadas ruas de mim mesmo. Tenho reconhecida dificuldade com o otimismo, mesmo assim, eu tento. Se tanto, se muito, ando tomando tento de como abarcar o contentamento, menos melancólico do que o costumeiro, eu sei, e isso é pouco, e isso é tudo o que posso sentir nesse exato momento. Espalhar as sementes do amor em favor, em desfavor do vento, cavoucando campos de massa cinzenta onde as dúvidas irrespondíveis brotam a esmo, aos milhares, como se fossem ervas daninhas, chave de tanto sofrimento. O momento exige de nós um pouco mais de candura. Uma criança ingênua engatinha na envergadura do meu dentro, fazendo bagunça no interior do átrio, num átimo de se fazer ouvir pelas cordas vocálicas de um ventríloquo. Louco é quem pensa que sabe tudo. Os meus ventrículos bombeiam um tipo de líquido parecido com vinho, mas, eu sei que é somente sangue entremeado com os genes da latinidade. Nada diminui o esforço de um cultivo. Espalhar, cativo, as sementes do amor sem me importar com a semântica: as mãos que seguram a criança de colo são as mesmas que carregam um esquife. Não fui eu quem o disse: foi a vida que eu vi nos outros, foi o filme legendado, foi o arroubo de um poeta colapsado pela falta de criatividade. Na verdade, não estou me esforçando para escrever um texto rebuscado. Certos sentimentos são difíceis de se explicar. Tudo faz parte de uma condição particular de desespero, aquele tipo de sentimento que é sentido sem vontade, sem esmero, um estado ruim de espírito que se aplaca com um abraço, com um sorriso, que se elucida com os rasgos festivos feitos na barriga duma planície infecunda, a fim de cumprir uma missão que ninguém designou — senão o acaso — de fazer brotar o amor nas lavouras das mentes que se acostumaram com a indiferença e com a dor, como se esse disparate número 1 do ser humano não passasse duma reles rima pobre nos lábios de quem desaprendeu a sorrir com o tempo.
*Texto inspirado em “Sowing the seeds of love”, da banda de rock britânica Tears for fears.