Não tenho um príncipe encantado, mas, desde já, gostaria de trocar publicamente a ideia de sua existência pela de um homem letradinho. As exigências nem são lá essas coisas. Sabendo usar crase, meu coração já fica mole. Não precisa ter lido autores russos, nem ser muito bonito, já que também não preencho esses requisitos com muito louvor. Basta não falar um beijo “à” todos ou vou contar “à” vocês.
Se não for pedir demais, gostaria de que ele passasse menos tempo do que eu no salão de beleza. Ah!, e que não gastasse horas de seu dia tirando fotos de si mesmo em qualquer caco de espelho que dê sopa por aí. Dia desses, testemunhei um bonitão se fotografando em frente ao retrovisor do carro. Jamais entenderei a relação entre autorretratos e frases de autoajuda, mas já imaginei a legenda nas redes sociais: Nunca desista de seus sonhos. Bom dia “à” todos, o que nos leva de volta à crase, inclusive. Puxa vida, acento grave é grave.
Dispenso flores em datas comemorativas, anéis de imensos brilhantes e contas bancárias milionárias. Mas faço questão de que leiamos juntinhos sobre a conjugação do verbo haver, num delicioso domingo à tarde… “à tarde”, veja bem! “Houveram vários eventos”, “haverão muitas oportunidades” e meu coração haverá de se despedaçar, imerso em desespero. De sobremesa, com corpos suados e após interjeições espontâneas, leremos sobre “onde” e “aonde”. Assim, não precisarei ouvir, numa pacata terça à noite, a pergunta “onde você vai?”. Jamais retornarei.
Tudo bem se o letrado dos sonhos adorar videogame e for adepto do futebol. Não me importo, de verdade. Tudo bem se gostar de repetir a mesma camiseta toda semana e desconhecer comidas chiques. Ficaremos felizes em casa, comendo arroz com ovo e dando boas risadas de piadas espirituosas, enquanto os filhos não vêm. Mas broxarei eternamente se não acentuar o “e” do verbo flexionado, ou, pior!, se disser “enquanto os filhos não vêem”. Novo acordo, verbos “ver” e “vir” e bom humor são fundamentais.
Na semana passada, um adorável ex enviou-me mensagem rancorosa dizendo: “estou bêbado e vou falar: é por essas bobeiras de gramática que vc está sózinha”. Sózinha. Só-zi-nha. Lembro-me de ele mandar e-mail, como um príncipe, dizendo que massagearia meus “pézinhos” mais tarde. Tivemos algumas DRs sobre sílabas subtônicas e regras de acentuação. Não deu certo, fiz as malas e fui embora. Logo eu, que adoro massagem. Cruel.
Pensando bem, talvez o homem letrado seja o verdadeiro príncipe. Não é à toa que ando “sózinha” por aí. Haja Walt Disney para tanta gramática.