No interior se contava muito a história de um homem que se perdeu no meio do mato fechado, tão fechado que não dava nem pra ver o céu. Ele só não morreu de fome e de sede porque um passarinho o rodeou incansável, cantando seu canto, até que o homem entendeu que devia segui-lo. Assim, guiado pela música simples de uma ave, esse moço conseguiu encontrar o caminho de volta para casa.
Você sabe que essa história me parece uma metáfora bonita dos dias de hoje? Da música, de sua beleza, de seu poder de nos trazer de volta quando nos perdemos. E da generosidade de uma criatura viva em relação a outra. Porque no fundo isso é o que todos temos de mais comum. Nós estamos vivos! Quando uma vida se põe a serviço de melhorar outra vida do jeito que possa, o mundo ganha sentido outra vez.
Pois eu lembrei dessa história do homem resgatado da morte por um passarinho quando ouvi o disco “Azul”, de Maria Luiza Jobim. Tão simples, tão bem-feito e tão bonito, deu-me um recado simples e irresistível: você ainda está vivo! Levante-se e vá adiante!
Em dez canções de elegância discreta e beleza fácil feito a manhãzinha, a risada de um bebê e a casa do joão-de-barro, “Azul” alcança impecável e resoluto a galeria dos discos bonitos que só.
Para mim, vem daí a grandeza desse novo trabalho de Maria Luiza. Cada canção, cada tema e cada motivação insuspeitada têm uma beleza diferente, assim como todo ser vivo deste e do outro mundo. Toda gente, todo bicho e toda planta são bonitos de seu jeito.
Tenho lido as críticas especializadas, sempre muito competentes em lançar os olhos clínicos sobre o disco, analisar a relação entre as canções e o momento da vida dessa artista. Algumas estendem pontes do álbum anterior, “Casa Branca”, de 2018, para esse de agora, outras analisam os significados diferentes da palavra “Azul” em português e em inglês, o trânsito das canções entre a tristeza e a alegria, a luz e a sombra.
Eu respeito e admiro todos esses pontos de vista, mas para mim me basta dizer a você que eu me senti como o homem perdido no mato fechado, tão fechado que não dava nem pra ver o céu. E que ouvir o disco “Azul”, de Maria Luiza Jobim, me fez reencontrar o caminho de casa. Sua generosidade de criatura viva melhorou a vida desta outra criatura viva.