Um dos companheiros propôs o embalsamamento do Rochinha — depois de morto, obviamente — para que o seu corpo ficasse submerso no formol, ad eternum, dentro de uma redoma de vidro, com formato de garrafa de Paratudo, a fim de ser colocado como uma espécie de monumento, próximo à mesa de bar onde a turma sempre se reunia para as hilárias resenhas pós-jogo.
Seguindo o embalo da insanidade, mantendo o espírito nonsense do grupo, alguém pediu um minutinho da atenção dos colegas e sugeriu, sem consultar a família do Rochinha, sem consultar a ele próprio, ali, presente, vívido, divertido e carismático, que o seu cadáver fosse doado para o Instituto Butantan, a fim de ser dissecado, destrinchado, pesquisado e compreendido pela ciência. O proponente da causa esdrúxula lembrou que o Rochinha, apesar das previsões em contrário, tinha passado incólume pela pandemia de Covid-19 que infernizou o planeta nos últimos anos.
“Não tem cabimento. É preciso que os cientistas executem a moagem fina dos ossos do Rochinha para o desenvolvimento de vacinas e para a imunização em massa da população mundial. Nem resfriado esse filho-de-uma-mãe pega” — completou.
A história fazia sentido, tendo em vista que o Rochinha não mudou em nada a sua frenética rotina diária de se encontrar com as pessoas, de se aglomerar usando uma surrada máscara de pano com o brasão do Botafogo sobre o queixo, de contar anedotas politicamente incorretas, de descontar uns cheques, de frequentar as reuniões da maçonaria, de comer pastel com garapa na feira livre e de assistir aos shows de pole dance das universitárias jubiladas na estância de divertimentos extra-familiares da Mariinha Torniquete.
“Não sei como aceitam pessoas como você na maçonaria, Rocha” — alguém troçou.
Ele soltou uma gargalhada que mais parecia o som da ignição de um calhambeque com defeito no motor-de-arranque e bebericou no copo americano que, àquela altura da resenha, parecia deplorável, insalubre, pois, continha cerveja entremeada com perdigotos sobrenadantes e com partículas de petiscos. Uma garçonete serelepe, risonha, surgiu do nada com outra tigela de frango-a-passarinho.
Nesse interim, o Rochinha protagonizou mais um dentre tantos episódios folclóricos, engraçados, que já entraram para os anais da turma de veteranos do futebol amador. Ao voltar do banheiro, cabisbaixo, balançando a cabeça de um lado para o outro, como se houvera perdido a cobrança de um pênalti, alguém notou que a tradicional bermuda de couro-de-cobra do Rochinha estava encharcada, respingando um líquido insuspeito sobre o piso.
Perguntamos o que tinha sucedido e, sem titubear, sem temer a zombaria iminente dos seus velhos companheiros de pelada, ele contou que tinha cometido um grave deslize ao aliviar a bexiga no mictório. Traído pela embriaguez desbragada e pelas diminutas proporções fálicas que lhe rendiam gozações reiteradas, ele segurou na ponta de uma extraordinária hérnia inguinal — pensando que fosse o bilau — e acabou urinando na própria roupa.
A turma explodiu numa gargalhada estrondosa que pode ser ouvida desde Aurilândia até Jijoca de Jericoacoara. A garçonete quase descadeirou de tanto rir. E o Rochinha, o craque da camisa número 9, aposentado dos campos pela avançada artrose que lhe acometia os joelhos, mandou descer outra rodada de cerveja, para felicidade geral dos amigos que tanto lhe amavam.