Tem um novo Indiana Jones nos cinemas e ele já chegou problematizado. Seria o arqueólogo um bandido colonialista que saqueia artefatos de países pobres para exibir nos museus do Primeiro Mundo? Essa excitante discussão começou nas redes sociais, mas escalou para a mídia tradicional, sempre ávida por clicks. Como a Bula também gosta de visualizações, vamos mergulhar nessa farofa.
O arqueólogo e aventureiro Henry “Indiana” Jones Jr. é uma criação do produtor e cineasta George Lucas. Sua intenção era homenagear os filmes B dos anos 1930, que ele assistira na infância. Assim como “Star Wars” é um “Flash Gordon” reimaginado, Indiana Jones é um coquetel que mistura filmes de aventura, policiais noir e seriados de ação exibidos antes dos longas-metragens.
Com a direção de Steven Spielberg, a série revigorou e reinventou o cinema de ação nos anos 80, gerando cópias e paródias. Indiana Jones é hoje muito mais famoso do que os personagens que o inspiraram, como Allan Quatermain, por exemplo, protagonista dos romances de H. Rider Haggard.
Os três primeiros filmes são ótimos, o quarto é ruim e o quinto tem o selo “Disney de Qualidade Duvidosa”. A corporação segue no firme propósito de transformar qualquer coisa em “filme de princesa”, como já fez com “Star Wars” e repete na Marvel.
Uma produção cinematográfica deveria ser julgada apenas pelo que entrega: roteiro, direção, atuação, fotografia, criatividade, inventividade etc. Mas vivemos numa época toda descontruída, onde a ostentação de virtude virou peça de marketing e a divisão da sociedade em bolhas é modelo de negócios. Debater a postura de personagens fictícios fornece desculpa de consumo para audiências melindradas pois Hollywood, afinal, depende do seu ingresso.
Mas a verdade é que o pobre Indiana Jones não roubou nenhum tesouro. As pedras de Sankara (“O Templo da Perdição”) são devolvidas à aldeia indiana a que pertencem, o Santo Graal (“A Última Cruzada”) se perde num terremoto e as “caveiras de cristal” são levadas por alienígenas.
O arqueólogo só rouba mesmo a Arca da Aliança (“Os Caçadores da Arca Perdida”), mas ele tem lá seus motivos. Manter nazistas longe de artefatos de destruição é sempre uma boa ideia, mesmo que seja para esconder o objeto em algum depósito nos Estados Unidos.
No mundo real, a relíquia judaica ficou no templo de Salomão, em Jerusalém, até a invasão da Babilônia no século V a.C. O artefato ficaria perdido até ser “encontrado” por Indiana Jones em 1936, três anos antes da Segunda Guerra Mundial e nove anos antes da fundação do estado de Israel. Quer dizer, não tinha a quem devolver a arca. Uma opção seria entregar a coisa para a Etiópia (então Abissínia). Segundo a tradição, a relíquia foi escondida naquele país pelo rei Manassés de Judá e está lá até hoje na igreja de Nossa Senhora Maria de Zion, na região de Axum. Quem toma conta de uma arca, pode muito bem tomar conta de duas, certo?
Só que isso também seria perigoso. Em 1936, o país travava uma guerra contra as tropas invasoras de Benito Mussolini, que era aliado de Hitler. Esse é o problema de misturar realidade com ficção, as coisas ficam ridículas rapidamente. Mas é assim mesmo. São tempos de desconstrução. Quando essa bobagem passar, a gente começa a construir de novo.