É hora de parar de ignorar: a mais bela história de amor do cinema contemporâneo agora na Netflix Divulgação / Kinostar Filmverleih

É hora de parar de ignorar: a mais bela história de amor do cinema contemporâneo agora na Netflix

O filme “Cidade de Gelo” (2020), do russo-americano Michael Lockshin, trabalha um enredo pleno de contrastes e escolhe um cenário particularmente encantador para florescer, mágico como só o amor sabe ser. Lockshin constrói um mosaico sobre a vida na Rússia virada do século 19 para o 20, período especialmente tormentoso na história do país, mas que não é encarado como o mote do roteiro de Roman Kantor, ao menos não de forma explícita. A efervescência da sociedade russa vem à cena do jeito mais delicado que poderia, estampada de quando em quando na expressão de cada um de seus dois personagens centrais, um casal improvável que só se constitui efetivamente na derradeira quadra do enredo. Lockshin dispõe de seus protagonistas de modo a fazê-los se moldarem ao que pretende que o espectador entenda, tanto de um quanto do outro, e, por óbvio, da própria trama.

Destemidamente melodramático, o filme aposta num conflito amoroso que tarda a engatar de propósito, emulando as grandes novelas da literatura russa, de Dostoiévski e Tolstói, ao passo que a comparação com a maior das narrativas desse gênero surge de maneira natural. O trabalho de Lockshin tem toda a essência de um “Romeu e Julieta” abaixo de zero, e opta por se apoiar no argumento da luta de classes, mas sem exageros a ponto de se tornar panfletário, felizmente.

Matvey, o proletário de baixa extração vivido por Fedor Fedotov, começa a sentir o ímpeto por liberdade do espírito humano no limiar da adolescência para a vida adulta, o que culmina em seu envolvimento com a gangue de punguistas liderada por Alexey, interpretado por Yuriy Borisov. Esses pequenos furtos aterrorizam os habitantes de São Petersburgo. Para provar-se merecedor da confiança do bando, Alexey incita Matvey a invadir o quarto de Alice, interpretada por Sonya Priss, durante uma madrugada pouco propícia para a atividade criminosa.

Filha de Nikolai Nikolaievitch, um baronete lotado no comissariado de polícia local, personagem de Aleksei Guskov, Alice flagra a empreitada do candidato a delinquente e não consegue mais esquecê-lo, a ponto de recusar as investidas de Arkadi, o oficial subchefe das forças de segurança vivido por Kirill Zaytsev. Conforme se aproximam, o diretor faz com que os dois inspirem um ao outro qualidades que jamais alcançariam por si só. Alice vê na amizade com Matvey a chance de, mediante uma ideia tola, quase pueril, tentar ser aceita no departamento de química da universidade local, enquanto o malandro Matvey se dá conta de que está desperdiçando sua vida ao lado de tipos como Alexey e decide mudar de rumo.

O desfecho, formulaico, ocorre a bordo de um vagão de trem, mas não deixa margem para que o caráter farsesco (e sublime) da história seja esquecido. Exatamente como a vida simples dos personagens dos contos de fada de um tempo que só volta nesses filmes que nos permitem sonhar.


Filme: Cidade de Gelo
Direção: Michael Lockshin
Ano: 2020
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10