Adaptado de obra-prima de J. M. Coetzee, filme na Netflix é um desafio para o cérebro e uma aula de sociologia Divulgação / Samuel Goldwyn

Adaptado de obra-prima de J. M. Coetzee, filme na Netflix é um desafio para o cérebro e uma aula de sociologia

Ciro Guerra é um cineasta colombiano com importantes obras de sua nacionalidade em seu currículo, como “Pássaros de Verão”, “As Viagens do Vento” e “O Abraço da Serpente”. Em seu primeiro filme de língua inglesa, ele não alcançou o mesmo louvor dos críticos. “Esperando pelos Bárbaros” é uma produção de Guerra em parceria com escritor sul-africano J.M. Coetzee, que escreveu tanto o livro (lançado em 1980) como o roteiro.

A história se passa em um império indeterminado, em um posto militar no meio do deserto entre o fim de 1800 e início de 1900. Tantas informações vagas poderiam trazer inúmeras possibilidades para o local e o tempo do enredo. E como se trata de colonialismo, parecia natural que Ciro Guerra, filho da América Latina, fosse atraído para o projeto.

Um latino-americano com descendência europeia parecia ser a pessoa ideal, com um panorama muito particular sobre isso, assim como o do protagonista da história, o Magistrado (Mark Rylance). Ao mesmo tempo em que ele tem uma posição privilegiada sobre outros, consegue perceber os efeitos dos opressores sobre os oprimidos, como dos europeus sobre os indígenas.

Gravado na Itália e em Marrocos, o filme mistura a atmosfera de faroeste espaguete com “Lawrence da Arábia”. Também poderia ser na América do Sul, em algum canto fronteiriço do Peru ou do Chile. Uma crítica ao imperialismo europeu, mas também à banalização do mal (como do nazismo e fascismo), o filme acompanha a rotina daquele vilarejo sob o controle do Magistrado, até que sua frágil estabilidade e liderança é irrompida pela chegada de Joll (Johnny Depp), um coronel autoritário, cuja humanidade se esconde por detrás dos óculos escuros arredondados. 

Quando ao torturar, desmembrar e matar populares e pequenos infratores ele descobre uma faísca de ameaça de revolta, ele decide punir o Magistrado e o vilarejo, impondo sua autoridade e cortando o “mal” pela raiz. Pouco depois, chega Mandel (Robert Pattinson), um subalterno igualmente maquiavélico para reforçar quem realmente está no poder.

Mark Rylance, com todas as marcas de seu rosto e sua vasta experiência nos cinemas, é a atuação mais marcante, escondendo por trás da benevolência de seu personagem, uma espécie de consentimento, afinal, ele próprio é funcionário do governo e faz parte do sistema de opressão. Embora perceba a imoralidade deste ciclo de abusos e lute com as armas que tem contra ele, não há muito o que se fazer.

Outra atuação forte neste longa-metragem é a de Gana Bayarsaikhan, que interpreta uma nativa que é feita prisioneira e torturada. Ela e o Magistrado tem uma espécie de conexão humana, emocional. Embora no livro ela também seja sexual, o filme preferiu não incluir esse prisma da relação.

Por outro lado, Depp cai novamente na caricatura e parece uma nova roupagem de um velho papel que ele já fez, seja de Jack Sparrow ou de Chapeleiro Maluco. Pattinson também não faz sua melhor performance e aparece sempre com os ombros duros, olhos arregalados e expressões exageradas.

“Esperando pelos Bárbaros” traz reflexões fortes e profundas e exige um pouco de paciência do espectador para acompanhar seu andamento um pouco arrastado. É um exercício de concentração e soma bastante intelectualmente. No entanto, do lado emocional ainda parece faltar algo.


Filme: Esperando pelos Bárbaros
Direção: Ciro Guerra
Ano: 2019
Gênero: Drama
Nota: 7/10