Li “Minha Vida”, de Anton P. Tchekhov, e gostei. Na verdade, isso pouco importa. Normalmente dizemos que gostamos de algo para validar a qualidade. Mas é um engano. Somos passageiros. Esse texto também é passageiro. É sobre isso que “Minha Vida” trata. Sobre a efemeridade das existências. Sobre as convenções desnecessárias. Sobre os nobres e os desgraçados. Sobre a herança dos tempos e a dispensa dela, por opinião.
Em “Minha Vida”, há uma ironia fina sobre as instituições e a função das profissões, sobretudo para o indivíduo que escolhe seu trabalho. As pessoas passam pelo mundo, em geral fazem o que precisam fazer, ficam satisfeitas com suas funções. A maioria não se atenta sobre os outros ao redor. Muitos de nós, segundo Missail Póloznev, o narrador em primeira pessoa, não é uma espécie rara em extinção. Mas, mesmo diante desse dilema irrefutável, o protagonista pensa: “Se eu tivesse vontade de encontrar um anel para mim, escolheria a seguinte inscrição: ‘Nada passa’. Acredito que nada passa sem deixar marcas e que cada pequeno passo nosso tem um significado para a vida presente e futura”. O dilema da existência, os grãos de areia! Ele é o narrador subjetivo que enfrenta suas dúvidas íntimas. Sua finitude.
Missail é um jovem que não se fixa em nenhum emprego. Não se ajusta ao modelo do trabalhador de escritório, que passa o dia entre a mesa e o cafezinho, escrevendo à máquina ou rabiscando papéis burocráticos. O pai não admite que sua profissão não corresponda ao seu título de nobreza, que ele desdenha. O conflito de gerações é um dos temas, mas não ocupa o livro em tempo integral. Tchekhov é mais profundo. Há, em “Minha Vida”, uma investigação do humano, do comportamento e das posturas ideológicos das pessoas de sua época. O livro apresenta o ponto de vista de Missail, que acredita que todo homem deve viver do suor de seu trabalho. Está ligado às raízes anímicas do humano. Mas tem dificuldades em dizer isso com a eloquência que a ideia exige. Ele mastiga e rumina sua intenção durante grande parte da novela até que a despeja, ordenadamente, quase no final, no pai intransigente e rigoroso. Não é trivial o que Missail pensa ou quer. Um dos momentos mais interessantes é a crítica muito bem construída que o filho faz ao pai arquiteto, relacionando a sua falta de criatividade e empatia com as pessoas com as suas obras arquitetônicas vazias e ultrapassadas.
“Minha vida” é ainda um discurso sobre o primeiro amor. Sobre a cumplicidade e a submissão. Em diversos graus, amar é submeter-se. Missail só se modifica, em sua intensidade e necessidade de ser mais humano do que ideológico, quando está amando. E para garantir que o amor deixa rastros, é a voz de Tchekhov, através do médico Blogovó, amigo de Missail, que profere: “É preciso amar, nós todos devemos amar — não é verdade? Sem amor não haveria vida; quem teme o amor e foge dele, não é livre.”
Livro: Minha Vida
Autor: Anton P. Tchekhov
Tradução: Denise Sales
Páginas: 160 páginas
Editora: Editora 34
Nota: 9,5/10