O filme de ação mais esperado de 2023 acaba de estrear na Netflix e vai deixar seus olhos pegando fogo Jasin Boland / Netflix

O filme de ação mais esperado de 2023 acaba de estrear na Netflix e vai deixar seus olhos pegando fogo

Não existe nenhuma diferença entre “Resgate 2” e as melhores histórias de super-heróis. O filme de Sam Hargrave dispõe de personagens com funções bastante específicas na trama; o conflito familiar a todos se desenrola, parecendo insolúvel, e a certa altura, o protagonista, dotado de qualidades muito além dos talentos de um homem comum, torna-se uma presença obrigatória, quase enjoativa, dando a falsa sensação de poder resolver todo impasse. Nesse ponto, o roteiro de Joe Russo, codiretor com o irmão, Anthony, de “Vingadores: Ultimato” (2019), parece ter a intenção de repensar o papel dos candidatos a salvador do mundo nas tramas desfiadas pelo cinema. A glória do solitário personagem central, com um Chris Hemsworth estropiado, a princípio tentando apenas sobreviver, é racionada, momentos fugazes que escapam num relance dos quais não está disposto a abdicar por saber que sua sobrevivência depende dessas pequenas conquistas. Aqui, o Tyler Rake de Hemsworth se lança a um propósito de autoafirmação, que ele conseguiu com muitas limitações no longa que inaugurou a franquia, em 2020, e vai se reerguendo da forma que consegue, até sentir-se capaz de assumir sua nova e mais difícil missão. Enquanto ninguém duvida que ele chegará lá, uma sombra de incerteza persiste no público. Talvez ele esteja se sobrevalorizando um pouco.

Enquanto os créditos se sucedem, a fisionomia assustada de Nik Khan, a personagem de Golshifteh Farahani, surge na tela banhada na luz de ouro velho da fotografia de Greg Baldi. Russo retorna ao primeiro longa em flashbacks dispersos, nos quais Hargrave torna a sobrecarregar seu protagonista de instabilidade moral, ressuscita as suspeitas quanto à sua índole, afirma novamente sua natureza indigna de confiança, e a escuridão untuosa que paira sobre ele é o que o faz um pouco menos distante e previsível do tipo algo truculento e sempre imbatível de quase todas as produções congêneres. Rake também se sobrepõe aos demais mocinhos vilanescos da história do cinema por seu instinto paternal mal disfarçado, argumento que Russo usa algumas vezes no decorrer das duas horas de projeção, mas a que ele dá destaque especial numa sequência entre o segundo e o terceiro atos, como já fizera ad nauseam em “Resgate”. Aqui, é o anti-herói de Hemsworth quem precisa ser salvo e assistido pelos médicos que Nik supervisiona de perto, e, mesmo dando todos os sinais de que não escapará, levando uma eternidade para sair do coma, todos, claro, sabemos que isso não vai durar. Hargrave leva seu filme por um périplo pelo mundo, começando por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com o objetivo de cristalizar no público essa aura do super-homem nietzschiano de Rake, incansável em seu propósito de superação.

A cadência do enredo é como o trem desgovernado em que Rake e Nik embarcam no ápice de “Resgate 2”, quando os capangas de Ovi Mahajan, o chefão do crime organizado de Mumbai interpretado por Pankaj Tripathi, descobrem que o mercenário está livre e retomando seu ofício. O diretor refresca a memória do público com diálogos em que Hemsworth e Farahani relembram a malfadada operação de resgate do filho de Mahajan, Ovi Jr., interpretado por Rudhraksh Jaiswal. Agora unidos na desgraça, Rake e a ex-gerente geral dos negócios do mafioso têm de encarar a colossal fraternidade da máfia asiática, não para acumular fortuna, mas para continuar vivos.

Hargrave explora a misantropia inerente de seus protagonistas por meio de vários clichês que usou em 2020, situando cada uma dessas duas almas perdidas nas prisões de Schwarzau e Graz-Karlau, nos arredores de Linz, na Áustria. Há uma promessa de felicidade comum a eles, como o vilão de Idris Elba sugere no final, mas isso só poderá ser confirmado quando vier a terceira parte dessa caçada.


Filme: Resgate 2
Direção: Sam Hargrave
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.