Suspense magistral com Mark Wahlberg chegou à Netflix, para fugir do usual arma grande e cérebro pequeno

Suspense magistral com Mark Wahlberg chegou à Netflix, para fugir do usual arma grande e cérebro pequeno

Ser adulto nos obriga a passar a vida tomando decisões, e em muitos casos, há que se fazer escolhas draconianas, quase sufocantes, que acabam por definir, ainda que não se queira, o papel que cada um vai exercer. É exatamente assim que se dá com Bob Lee Swagger, o fuzileiro sobre quem fala o título de “Atirador”, um homem cujo martírio parece se estender tanto mais ele procura alguma chance de autorreparação. A direção segura de Antoine Fuqua e o roteiro pouco óbvio de Jonathan Lemkin miram seu anti-herói sem trégua, e Mark Wahlberg, novamente muito à vontade na pele de um tipo a um só tempo complexo e simplório, rude e delicado, encarna a graça mesma da história, em especial quando começa a deixar claro, afinal, que o protagonista não passa de mais um dos ingênuos ludibriados por gente, essa, sim, perigosa.

A revoada de pássaros no vale que abraça um rio caudaloso, a promessa bucólica de felicidade ainda mais bela na fotografia de Peter Menzies Jr., ameniza a tensão imanente do texto de Lemkin, ótima adaptação de “Point of Impact” (1993), narrativa pela qual Stephen Hunter descreve, com quase todos os cacoetes do gênero, a desdita de Swagger, um ex-snipper que torna-se lenda durante a Guerra do Vietnã (1955-1975) por causa do talento com armas de grosso calibre, uma perícia entre sobrenatural e malhada à custa de anos de exercício. Hunter tempera o ânimo de seu personagem central com o que conseguiu levantar sobre Carlos Norman Hathcock II (1942-1999), sargento do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos que acumulou 93 mortes em duas décadas de serviço, entre 1959 e 1979. O Pena Branca, apelido que os soldados do Vietnã do Norte deram-lhe em menção à roupa usada para camuflar-se em operações nas montanhas cobertas de neve no inverno, saía para essas caçadas de gente, sobre as quais não tinha qualquer margem de negociação, seguindo uma intuição mágica, que decerto o atrasou em vários de seus encontros com a morte, enquanto valia-se também de seu amuleto, o Springfield Armory M25 sempre a postos para trucidar o inimigo. Fuqua, um dos realizadores mais detalhistas e mais aficionados por tramas bélicas encabeçadas por homens de espírito fragilizado depois de anos num ofício tantas vezes inglório e invariavelmente definido por um turbilhão de dilemas éticos por segundo, mostra o antes, quando Swagger parecia um quadro exemplar, cumprindo sua função sem se deixar envolver pelos aspectos políticos da missão, e o depois, transcorridos três anos — ou 36 meses, como prefere o roteirista, momento em que a mal explicada tentativa de homicídio do presidente americano redunda na morte do arcebispo da Etiópia, onde o Exército dos Estados Unidos tem uma base, o Campo Lamonnier, nos arredores de Djibouti. Fuqua leva o filme a seu talante, contando, além da habilidade e do carisma de Wahlberg, com Danny Glover como Isaac Johnson, a face oposta a de Swagger, a dos sujeitos aparentemente mansos, mas que escondem grandes facínoras. E esse é um inimigo que rifle nenhum alcança.


Filme: Atirador
Direção: Antoine Fuqua
Ano: 2007
Gênero: Ação
Nota: 8/10