“Breve Segunda Vida de uma Ideia”, do escritor e físico Solemar Oliveira, apresenta ecos de Jorge Luis Borges, Bioy Casares e Camus, referências literárias que, sem dúvida, influenciaram o autor. A presença de Camus é especialmente evidente, sua temática existencialista desenhando um padrão ao longo dos 41 contos, onde a falta de sentido, os absurdos da existência e a ausência de redenção são explorados como aspectos inerentes à condição humana.
Com uma regularidade narrativa sólida e uma unidade temática consistente, cada conto no livro convida o leitor a mergulhar em universos distintos, unidos pelo fio comum da criatividade humana. Apesar de cada conto ser distinto e ter seu próprio ritmo, juntos formam uma obra coesa. Como um mosaico de cenas variadas e personagens interessantes, o livro se desenrola, peça por peça, formando um vasto panorama narrativo.
O autor demonstra habilidade ao navegar por um labirinto de emoções e experiências, equilibrando-se entre a realidade e a fantasia, a filosofia e a ficção científica. Cada conto é uma busca constante pela essência da humanidade, pela singularidade do indivíduo e pelo sentido da vida. Ao fazer isso, o autor celebra a potência da mente humana e sua capacidade de criar e inovar, ao mesmo tempo que revela sua vulnerabilidade diante do desconhecido.
Embora cada conto em “Breve Segunda Vida de uma Ideia” seja inteligente e impactante, o livro poderia ter se beneficiado de uma edição mais incisiva. Com 41 contos, corre-se o risco de tornar-se excessivo. Não há contos de qualidade ruim, mas nem todos alcançaram o mesmo nível de excelência e carpintaria literária. Alguns, no entanto, são particularmente bem próximos do que de melhor se produziu no Brasil das últimas décadas, dentro do gênero. Ao evitar cortes, o autor criou um livro sólido, mas perdeu a oportunidade de fazer dele uma obra-prima.
Ainda assim, “Breve Segunda Vida de uma Ideia” é uma homenagem à diversidade de pensamentos e emoções. É uma obra que ultrapassa as limitações do seu gênero, honrando a beleza e complexidade da experiência humana, celebrando a criatividade e a constante busca por compreensão e significado. Cada conto é uma porta para um novo mundo, um novo olhar sobre a existência, onde cada personagem, história e ideia compõe um fio na tapeçaria literária detalhada que o autor habilmente teceu.
Empalidecendo rapidamente, a única listra negra que restou na camisa rajada saltou para o banco da praça e, depois, para o chão. Um segundo antes de deixar a malha, que ornou, por longos anos, com sua simetria exata, olhou para o alvo tecido e teria suspirado, caso fosse dotada de pulmões, nariz e narinas. Viu a terra fresca e molhada. O sono aguardava, altivo e belo. Rolando pelo barro poderia sujar-se à vontade e ungir-se de outras cores e depois repousar, serena, num fosso isolado, longe dos suores do outro que a vestia e que, durante todo o tempo de uso e abuso, não lhe ofereceu algum perfume caro e de fragrância avassaladora, como a de um amaciante incomum. Fora quase um fiasco de faixa em sua vida curta. Também salvou-se de passar totalmente nula, pois possuiu detalhes de outros tecidos que a tornaram digna de sua função, como quando roçou o vestido quente de veludo azul, estufado pelos delicados e redondos seios de uma dama, de que não recorda o rosto. Agora, deitada na lama que escandaliza sua perfeita composição de tinta e subpartículas de tecido agregados, deixa-se repousar no obscuro reduto. Demonstra que é, ou gostaria se ser, uma coisa mais do que algo irrelevante, algo que pensa e que tem toda sorte de fortuna na vida. Por outro lado, está cansada e almeja agora derreter-se e tornar-se, junto ao musgo, um nada que colore a terra. Pensa cuidadosamente na natureza inteligente das criaturas irrelevantes e completamente inanimadas. Entende que é uma cria do nada. Que deixou-se estar na camisa, assim como no chão, como uma indecifrável conjectura de Magritte.
Solemar Oliveira tem atuação em diversos campos do conhecimento, incluindo escrita, crítica de cinema e física. Sua formação acadêmica inclui um doutorado em Física Básica pelo Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo e um pós-doutorado em Físico-Química pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é professor titular da Universidade Estadual de Goiás e professor pesquisador do Programa de Mestrado em Ciências Moleculares da UEG. Além disso, integra o corpo editorial da revista “Processos Químicos” e trabalha como revisor de periódicos internacionais.
Na literatura, publicou obras como o romance “Desconstruindo Sofia” e o livro de contos “Breve Vida de uma Ideia”. Adicionalmente, tem uma carreira paralela na crítica de cinema e literária, com ensaios publicados em jornais de grande circulação e contribuições para revistas nacionais. Solemar Oliveira também é membro do Conselho Estadual de Cultura de Goiás, na área de Audiovisual, e já atuou como presidente da Câmara Julgadora dos editais da Ancine.