Eu ainda era jovem. Bastante jovem e inocente. E havia me apaixonado pela primeira vez por uma menina que não sabia muito bem o que queria. Uma louca? Acabamos nos tornando bem próximos e a confusão toda começou. Enquanto ela queria um ombro amigo, um confidente e um acompanhante praticamente eunuco, eu sonhava com um beijo ardente, com carinhos íntimos, com nossos corpos totalmente entrelaçados (e sem roupa). E quanto mais eu a desejava, mais e mais ridículo me tornava. Eram cartas cafonas de amor, flores roubadas dos vizinhos, caricatas e apaixonadas declarações. Até que no auge da breguice, depois de uma briga qualquer, cantei para ela ao telefone: “Desculpe o auê, eu não queria magoar você, foi ciúme sim. Fiz greve de fome, guerrilhas motins, perdi a cabeça. Da próxima vez eu me mando, que se dane meu jeito inseguro, nossa (amizade) vale tanto”. Claro que essa história não teria um final feliz. Convenci-me de que ela era completamente louca e me afastei. Ela também me ajudou bastante. Acabou se envolvendo com um amigo muito próximo. Sei que eles também não viveram felizes. Desencontraram-se. Bem feito!
Os meus desencantos e fracassos continuariam por anos. Muitos anos. A verdade é que é imensa a distância entre a idealização do amor e sua realidade. E essa distância ainda é mais ressaltada na cultura popular. Penso, por exemplo, nas ideias e sensações sublimares que a música “Minha namorada”, de Vinicius de Moraes, desencadeia em nós, pobres coitados em busca de alguém para amar: “Se você quer ser minha namorada / Ah, que linda namorada / Você poderia ser / Se quiser ser somente minha / Exatamente essa coisinha / Essa coisa toda minha / Que ninguém mais pode ser”. O que ele está nos fazendo acreditar? Que amor, então, seria posse? Propriedade? Exclusividade daquele que ama? Que terrível! Quem conseguiria seguir, sem sofrimento, esse ‘caminho’ por tanto tempo? Quem é de fato capaz de enxergar e viver um amor apenas pelo olhar e o desejo de um?
E a música do sofrido Vinicius ainda continua, um pouco mais perversa e complexa: “Porém, se mais do que minha namorada / Você quer ser minha amada / Minha amada, mas amada pra valer (…) / Você tem que vir comigo em meu caminho / E talvez o meu caminho seja triste pra você / Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos (…)”. A insana proposta aqui é a de enfrentar uma vida inteira sob a perspectiva de apenas ‘um’, sob a ótica e a vontade da unidade, do infinito, do inseparável e eterno (enquanto dure). É quase impossível encarar uma vida a partir da fracassada ideia platônica de que as almas foram um dia coladas, mas que algum ser malévolo as separou, e que você precisa passar a existência inteira procurando sua metade da laranja para ser feliz. Há, com certeza, alguma coisa errada nisso tudo. Afinal, somos todos diferentes, e partindo disso é que temos que construir uma relação. Não seria, portanto, sob o olhar meticuloso da diferença que deveríamos de fato encarar e discutir sobre o amor?
Alain Badiou, filósofo e escritor contemporâneo, propõe uma visão de mundo a partir da diferença, e não mais a partir da identidade: “(o amor) nos conduz ao campo de uma experiência fundamental daquilo que é a diferença e, no fundo, à ideia de que é possível experimentar o mundo a partir da diferença. Nisso que ele (o amor) tem alcance universal, uma experiência pessoal da universalidade possível”. Há que se experimentar o mundo a partir da diferença. Do diferente. Do amor não mais como um, como conquista, como vitória e sucesso, mas sim como fruto de um trabalho árduo, penoso, acidentado… repleto de fracassos e brochadas. E é essa luta constante que dá sentido, que nos motiva, que nos traz certa alegria e conforto: “resolver os problemas existenciais do amor é a grande alegria da vida” (…) “há um trabalho do amor, e não apenas um milagre. É preciso estar em movimento, é preciso ter cuidado, é preciso se reunir, consigo mesmo e com o outro. É preciso pensar, agir, transformar. E então, sim, como a recompensa imanente do labor, há a felicidade”. Ótimos conselhos, mas também um tanto difícil de se acolher.
Acho que se eu e Vinicius de Moraes tivéssemos em mente a possibilidade do amor como diferença poderíamos ter tido mais momentos de felicidade. Será que eu ainda poderia estar apaixonado pela loucura do meu primeiro amor? Será que estaria enfrentando a vida sob o olhar desatinado daquela linda menina? Será que ainda estaria cantando músicas bregas ao telefone? Não sei nada de mim… mesmo sabendo de tanta filosofia, continuo brochando por muitas esquinas… mas especulo sobre o Vinicius. Talvez, ele, o maravilhoso poetinha, não precisasse ter se casado, e separado, tantas vezes. Talvez ele, o talentoso artista, não tivesse sofrido, e bebido, tanto. Mas talvez ele, o grande trovador, também não tivesse escrito e cantado coisas tão bonitas e utópicas. Talvez, fantasiosamente, o quimérico poeta não tivesse realmente existido.