Filme com Whindersson Nunes, na Netflix, é o pior filme brasileiro desde Cinderela Baiana Divulgação / Downtown Filmes

Filme com Whindersson Nunes, na Netflix, é o pior filme brasileiro desde Cinderela Baiana

A máxima infame atribuída a uma certa Larisse Clispector na abertura de “Os Parças” diz muito sobre o filme de Halder Gomes. Se o espectador resolve desprezar seu superego e não cessa a transmissão incontinente, tem de suportar calado a avalanche de piadas sem graça, levadas pelo maior ajuntamento de canastrões já visto no cinema nacional — e esse é um troféu bastante disputado. Ao cabo de cem minutos, quem conta com algum repertório e já dobrou a espinha frente à comédia de situação de Amácio Mazzaropi (1912-1981), plena de subtramas que fundiam nonsense, picardia e uma inocência quase tola em diálogos que não se furtavam a recorrer ao duplo sentido e à crítica social muitas vezes até sofisticada, ou mesmo aos comercialíssimos longas de “Os Trapalhões”, onipresentes durante os anos 1970 e 1980, é tomado de um constrangimento que aumenta em progressão geométrica, sem única risada que alivie o tormento.

Imagens em contra-plongée tentam fazer um registro da vida em São Paulo, mas assim o propósito de Gomes convence. Ângulos ousados captam o arcabouço da ponte Jornalista Roberto Marinho, o Monumento às Bandeiras, muitos cumes dos arranha-céus que esmagam o homem sem qualidades, sem nada do talento e da ilustração de Robert Musil (1880-1942). A câmera desemboca no viaduto do Chá, no centro da megalópole brasileira por excelência, para apresentar dois dos Dons Quixotes que protagonizam a história. Tirullipa e Whindersson Nunes surgem na pele de Pilora e Ray Van, aspirantes a trambiqueiros habituados com frequentes batidas policiais e visitas às delegacias do Vale do Anhangabaú; perto dali, na rua 25 de Março, Toinho tem melhor sorte como locutor de uma loja de departamentos, mas igualmente enroscado em confusões de toda ordem, a começar pelo caso que mantém com a mulher do patrão, vivido por Marcos Oliveira. Tom Cavalcante é, decerto, quem melhor define a indigência de “Os Parças”: tudo em sua performance rescende a mofo, da dicção acelerada, emulando narradores de futebol — rigorosamente o mesmo que fez por um bom tempo como João Canabrava, numa das infinitas temporadas da “Escolinha do Professor Raimundo” — aos esgares à Costinha (1923-1995), sem, repita-se, o menor vestígio de comicidade. Na calçada, trombando com outros passantes, Romeu, o nerd e galã possível interpretado por Bruno de Luca, tenta nao se atrasar para o primeiro dia de trabalho na agência de eventos de Mário, o antagonista de Oscar Magrini, que o roteiro de Claudio Torres Gonzaga crava como epicentro da ação que dá azo ao enredo.

O que se tem até o desfecho, sem nada digno de nota, é o planejamento e a execução da festa de casamento de Cíntia Maria, a periguete meio dúbia encarnada por Paloma Bernardi, ora fescenina e mesmo selvagem, ora romântica e quase cega às traições do noivo, Marcelo, de André Bankoff — essa a, vá lá, grande reviravolta do filme. Mas não há salvação: “Os Parças” é o exemplo mais bem acabado de como se torrar algumas centenas de milhares de reais em nome do dito entretenimento popular, sem que se alcance nem uma coisa nem outra. A propósito, não se entende por que diabos Milhem Cortaz é escalado para um filme tão deliberadamente ruim, e entende-se ainda menos o motivo de sua aquiescência. Mas cada um sabe de sua carreira.


Filme: Os Parças
Direção: Halder Gomes
Ano: 2017
Gêneros: Comédia
Nota: 4/10