Li “Ensaio Sobre o Louco por Cogumelos”, de Peter Handke, e gostei. Na verdade, é essencial. Parece um absurdo, avaliando apenas o título, que a observação de uma pessoa fanática por cogumelos, de todas as espécies, renda um “romance”. E, ao contrário do que suscita o título, o livro não é uma comédia. É trágico, introspectivo, reflexivo e profundo. O elemento cômico é sutil e elaborado, como deve ser nas grandes obras.
O narrador conta a história de um amigo, advogado, que dedica sua vida à caça de cogumelos. O livro é um discurso intenso sobre o tempo, suas relações com o aprendizado, com a experiência e, diante da compreensão de sua função, a solidez e magnitude da mudança, na vida, da medida do conhecimento. Explico! O louco por cogumelos acredita que a grande experiência é a caça desse vegetal, que existe na floresta, no oco das árvores, ou soterrado em profundidade e que só é revelado pelas chuvas torrenciais da região onde vive, no caso das trufas. Em geral, os melhores, maiores e mais raros, são dificilmente descobertos, e quando são significam o prêmio maior do caçador. O louco por cogumelos possui um protocolo para a busca, que acredita tem que ser seguido à risca para que a caça faça sentido. Para ele, na caçada “só valia ir sozinho” ou, no máximo, com uma criança. Provavelmente, por causa da pureza e da pouca afetação que causa no significado superior da ação. Caçar é algo superior. Quando os cogumelos são fáceis de encontrar não se diz caçar e sim catar! Como quando em seu povoado as pessoas encontram cogumelos dispostos à vontade e dizem “Entre nós não se caça — simplesmente se cata!”.
Em “Ensaio Sobre o Louco por Cogumelos”, parece que estamos diante de um super-herói iminente, em construção. Que retira do mundo dos cogumelos uma energia que condensa para, logo após, explodir em um superpoder fantástico. Mas a narrativa, também, está carregada de uma melancolia, de um tom fatídico e irrompe para o terror e a perspectiva do desastre. Sabemos, a todo tempo, que o louco por cogumelos desapareceu e estamos preocupados com seu fim.
Na sua busca por cogumelos, pelos mais raros e singulares, pois “Quanto mais selvagem, mais suave, conforme a regra, no interior, para além da cavidade bucal.”, o louco do título busca o entendimento do tempo ou o sentido de sua existência. Caçar cogumelos, que nascem espontaneamente, é o ato de valorizar a busca, de exaltar a capacidade, o conhecimento. O livro é, ainda, sobre a busca pela escrita elaborada, um anelo perspicaz entre o caçador de cogumelos raros e o criador de frases perfeitas. “O caçador de cogumelos avulso: como aventureiro, ao mesmo tempo um último e um primeiro ser humano.”
No caminho, a obsessão o encontra, porque também é uma caçadora de adeptos. A busca nunca termina e está no limite, sempre, do próximo tesouro. O louco por cogumelos, assim como o escritor, está à procura da “última fronteira”, da última aventura.
Livro: Ensaio Sobre o Louco por Cogumelos
Autor: Peter Handke
Tradução: Augusto Rodrigues
Páginas: 160 páginas
Editora: Estação Liberdade
Nota: 10/10