O coração deveria ter a opção de excluir histórico

O coração deveria ter a opção de excluir histórico

É melhor deixar pra lá. Alguém vai resolver o problema. Se for para um dos dois tomar uma decisão, que seja o outro, que ele assuma a autoria e carregue o peso de escolher por nós. Enquanto isso, fico aqui esperando que ele decida o que será da minha vida: ele que ponha um fim na nossa história, que saia de casa, que mude de emprego, de cidade, de país. E me outorgue o deleite do meu papel de coitada, minúscula diante dele, incapacitada de tomar qualquer atitude. Porque não quero assumir nenhum risco. Inclusive o risco de estar viva.

A relação faleceu. Os dois socorristas se exauriram em tentativas de revivê-la e reanimá-la a todo custo. Mas é preferível deitar-se com o morto do que acostar-se sozinha. Reside na casa um denso pesar pelo tempo supostamente perdido, pelo tamanho do investimento e as apostas altíssimas para que desse certo. Chegou o momento em que ambos se conscientizaram de que não há mais o que fazer ou deixar de fazer para que funcione outra vez. A frustração é companheira, a solidão é companhia e o sofrimento é acompanhante.

Ora, mas se o amor se foi, por que não partir também? Por que não pegar carona na chance de existir em unidade e ser livre para voar como em outros tempos? Há momentos que a vida nos cobra uma atitude. É quando mais precisamos virar a mesa, rasgar o verbo e bater o pé. Mais que isso. É preciso tomar as rédeas dos próprios passos.

A passividade é tão nociva quanto a agressividade. Fazer-se de vítima é menosprezar-se diante do outro, é mostrar-se indefeso, incapaz. A vitimização defere a outra pessoa um poder que ela não tem.

É sempre bom lembrar que ninguém está cem por cento certo ou errado, assim como ninguém tem culpa absoluta de tudo. Escolhas são feitas, permissões concedidas, e cada um que arque com as suas consequências. Cada qual que assuma a sua culpa no cartório. E siga adiante.

É inconcebível conferir a alguém a autoridade sobre a própria existência. Sejamos ativos diante da vida. Se insatisfeitos, façamos as mudanças necessárias para que nos contentemos. Não sejamos frouxos. Esperar que outra pessoa permita que sejamos felizes, ou que decida pela nossa infelicidade, é entregar a alguém um poder que, na verdade, é só nosso.

O coração deveria ter a opção de excluir histórico. Seria mais fácil recomeçar assim…

Karen Curi

é jornalista.