Bula de Livro: Contos do Escritório, de Roberto Mariani

Bula de Livro: Contos do Escritório, de Roberto Mariani

Meninas e meninos, eu li “Contos do Escritório”, do argentino Roberto Mariani, e reconheci muita gente. Apesar de ser uma obra clássica da literatura argentina, publicada pela primeira vez em 1925, apenas em 2021 ganhou sua tradução no Brasil. Demora lamentável que escondeu dos leitores brasileiros uma obra seminal, reveladora das estruturas mentais e sociais que ajudaram a moldar a mediocridade reinante em nossos tempos.

Contos do Escritorio
Contos do Escritório, de Roberto Mariani (Martin Claret, 136 páginas)

Roberto Mariani, longe de ser um intelectual de gabinete, conheceu de perto a vida real. Trabalhou como jornalista, caminhoneiro, ferroviário e bancário. Partiu de sua experiência pessoal como funcionário em escritórios na Argentina do começo do século 20 para desenvolver as narrativas do livro. Como escritor, nunca foi um estilista. Cultivou uma escrita sóbria e econômica, quase telegráfica em alguns momentos. Seu maior mérito foi dar forma literária para uma das figuras mais representativas da modernidade urbana, o “homem pouco”. Na introdução do volume de contos lemos que o “homem pouco” pode ser definido como sendo o indivíduo de “classe média, temeroso de perder prestígio e disposto a qualquer humilhação para conseguir ascensão”. Quem não conhece um ou muitos exemplares da espécie?

“Contos do Escritório” é um desfile de personagens patéticos, mesquinhos, alienados, carreiristas ou meramente desafortunados. Ao mesmo tempo, longe de serem vilões ou anti-heróis, são tipos absolutamente comuns. Figuras que encontramos todos os dias andando pelas ruas, em restaurantes, cinemas, metros, parques ou em nossas famílias. Não são particularmente cultos, nem particularmente incultos. Discutem política, leem jornais, acompanham esportes, nada fora do normal. Podemos determinar que compusessem a base da sociedade. Os nomes ou apelidos de alguns deles dão títulos a certos contos: “Rillo”, “Santana”, “Riverita” entre outros.

Esse “homem pouco”, eventualmente, pode até ser um leitor ou acreditar ser um. Porém, dificilmente, “Contos do Escritório” será o tipo de leitura que entrará em seu radar de interesses, voltado para o entretenimento ou obtenção de informações objetivas. “Contos do Escritório” é um livro que tira da zona de conforto. É literatura nua e crua. O “homem pouco” não suporta isso.


Livro: Contos do Escritório
Autor: Roberto Mariani
Tradução: Renata Moreno 
Páginas: 128
Editora: Martin Claret 
Nota: 8,5/10

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.