Não basta dizer que está cego, é preciso demonstrar essa condição com o corpo e os gestos ao longo de duas horas e meia do filme “Perfume de Mulher” (1992, Martin Brest). Como Al Pacino consegue? Ele imobiliza a nuca e os ombros e solta a língua, enquanto adivinha com os sentidos que lhe restam a presença alheia, os espaços e objetos e as intenções nas falas de quem o cerca. Performance de gênio que lhe rendeu um Oscar em 1993.
A composição desse coronel da reserva que não enxerga mais porque manipulou uma granada de maneira irresponsável se completa com a dificuldade de se movimentar, que encontra seu contraponto na dança do tango inesquecível “Por una cabeza”, quando oferece à belíssima Gabrielle Anwar os passos da música a ela negados pelo namorado indiferente.
Mulher é seu objetivo, admiração que descreve com detalhes para seu improvisado escudeiro, o bolsista de uma escola rica Chris O’Donnell, que o acompanha num fim de semana em troca de 300 dólares. Sexo é o mel que consola a escuridão onde vive, conforme o romance “Il Miele e il Buio”, de Giovanni Arpino, que já tinha gerado o filme italiano do mesmo nome de 1974 dirigido por Dino Risi e com Vittorio Gassman no papel principal.
A relação entre o veterano cego e o estudante pobre evolui das agressões e o desconforto para um convívio de proveitosa troca. O coronel aprende com o jovem a enxergar suas virtudes para curar seu desespero. E o ensina a persistir na integridade e formação do caráter para enfrentar colegas traiçoeiros e professores totalitários.
A lição de moral que chega ao apogeu no discurso do coronel na assembleia lotada que julgava seu pupilo não pesa no filme que emociona pela prudência com que as atitudes do protagonista impregnam os mínimos gestos. O faro que identifica o perfume, a ironia agressiva nas conversas, a exposição minuciosa de uma personalidade carismática explode algumas vezes, mas a maior parte do tempo acompanhamos a viagem a Nova York do velho Quixote e o jovem Sancho com simpatia e emoção.
O diretor Martin Brest é do primeiro time e foi indicado ao Oscar de melhor filme e direção na cerimônia que aclamou seu ator, o melhor do mundo em nosso tempo.
Filme: Perfume de Mulher
Direção: Martin Brest
Ano: 1992
Gênero: Drama
Nota: 10/10