Na acelerada estrada da produção de conteúdo global, a Netflix se destaca por ser uma potência cinematográfica que ultrapassa fronteiras. Em uma era de constantes mudanças e evoluções, ela continua a surpreender os amantes da sétima arte ao redor do mundo com sua impressionante oferta de filmes. À medida que a plataforma digital se consolida, alguns de seus títulos se tornaram fenômenos globais, atraindo espectadores de todas as idades e gostos.
Nesta edição da Revista Bula, nos aprofundaremos no fenômeno de popularidade desses longas que roubaram a cena e conseguiram entrar na prestigiosa lista dos mais assistidos em uma centena de países. Nesta viagem ao redor do globo através da tela, iremos desvendar as razões que tornam essas produções tão magnéticas para públicos tão distintos. Seria o enredo cativante? Os personagens inesquecíveis? A direção impecável? Ou a capacidade de gerar emoções e debates intensos?
Prepare a pipoca, ajuste o seu sofá e venha conosco nesta viagem cinematográfica através das lentes da Netflix e dos olhos de espectadores ao redor do mundo. Seja bem-vindo ao universo dos filmes mais assistidos na plataforma de streaming mais popular do planeta!

À medida que “Agente Infiltrado” avança, mais nítida se torna a sensação de que já se sabe onde vai dar o filme de Morgan S. Dalibert. A vasta experiência do diretor em enredos que fundem ação, suspense e trapalhadas de uma polícia ora corrupta, ora bem-intencionada, mas perdida num sem-fim de necessidades jamais satisfeitas e às voltas com facções criminosas cada vez mais organizadas, renderam sequências capazes de manter o público numa expectativa quase perene, que só arrefece quando o número de cadáveres estendidos no chão supera qualquer chance de novas reviravoltas. É esse, contudo, o desafio de produções como “Agente Infiltrado”, que tem a seu desfavor abordagens ligeiras e pretensiosas sobre um tema sério e uma brusca mudança de rota no desfecho. Decerto a promissora abertura do filme é o ponto alto do filme. Cruzando uma paisagem agreste, uma camionete velha leva homens munidos de fuzis por uma estrada deserta; inesperadamente, o veículo para, e eles descem, arrastando consigo uma pessoa encapuzada até uma gruta. Parece que se trata de um sequestro, inferência quase verdadeira que Dalibert elabora com competência, e se antes a fotografia de Florent Astolfi punha ênfase na luz pálida que coloria o cenário com tons pastéis no areal invencível, na vegetação rala e no céu sem nuvens, dentro do calabouço a escuridão reduz a cena a um bloco maciço onde nada se define muito bem.

Criar filhos talvez seja a maior aventura a que alguém pode se lançar, e por eles decerto se aprende que há sempre uma vasta chance de tornar um pouco mais elástica a fronteira do que se pode tolerar ou não. A mãe a que o título do filme da neozelandesa Niki Caro refere-se não abdica de uma carreira duvidosa — e ainda que não o fizesse, não adiantaria muito —, mas aceita com alguma resignação o destino de virar uma exilada em sua própria vida, pária a reboque do que deliberam sem sua licença, e, pior, trânsfuga de confrontos em que é implicada sem querer. Caro sai de um ponto bastante genérico até aproximar-se, lentamente, do objeto de seu trabalho, qual seja, o laço desfeito de duas pessoas que não deveriam separar-se, momento em que o cerco se fecha incontornavelmente. A introdução, como se obedecesse ao curso de uma arma de guerra, deixa o espectador atônito com tanta ação e tantos detalhes por minuto, e o roteiro de Andrea Berloff, Misha Green e Peter Craig se conserva tenso, aproveitando bem as possibilidades de evolução de aspectos secundários da trama até o final.

Roma avança sobre todo o mundo antigo, informa o narrador Gérard Darmon, para em seguida retificar que um vilarejo gaulês resiste à ofensiva de Júlio César (100 a.C. – 44 a.C.): justamente, claro, a aldeia onde Asterix e Obelix zelam por sua vida pacata, caçando os javalis que devoram — este com muito mais frequência que aquele, diga-se — entre hectolitros de cerveja e doses da poção mágica que os distingue dos outros. Aos poucos, Canet dispõe em seu roteiro, escrito em parceria com Julien Hervé e Philippe Mechelen, os detalhes que tratam dos planos do ditador romano acerca da invasão do Reino do Meio, a China, em 50 a.C., depois que So Hi — o nome de quase todos os personagens orientais resultam em trocadilhos ora irônicos, ora fesceninos, às vezes engraçados, às vezes não —, a imperatriz emburrada de Linh-Dan Pham, é destituída e presa no golpe de Estado conduzido pelo príncipe Deng Tsin Quin, de Bun Hay Mean. A princesa Fu Yi, vivida por Julie Chen, consegue escapar aos desmandos do novo déspota e com Tat Han, a ordenança real, de Leanna Chea, chega à Gália, ansiando que seus mais nobres cidadãos ajudem-na a resgatar a mãe e reaver a liderança sobre seu povo.

Já nas primeiras sequências de seu filme, o holandês André van Duren esmera-se em deixar claro que a história que conta é, sim, uma espiral de situações tão desconfortáveis quanto avessas a quaisquer previsões, como a imensidão perigosa do mar. Van Duren vai dispondo o roteiro, escrito com Elisabeth Lodeizen e Paul Jan Nelissen, de imagens aparentemente faltas de sentido, mas que juntas contribuem para que se erija a base do argumento central. Toda a poesia da introdução vai cedendo espaço a um cinismo que se desvela aos olhos do público, como na audiência de divórcio conduzida por Bodil Backer, a respeitável juíza de Bracha van Doesburgh, cuja intimidade oferece um contraponto a retidão que lhe exige o ofício. O diretor é habil em esconder a frustração essencial de sua anti-heroína, e enquanto tudo permanece no terreno pantanoso das elucubrações, Bodil planeja uma “viagem de mulheres”, durante a qual irá, ao que parece, só comparecer a uma palestra e assistir a uma peça de teatro — e cada um desses programas guarda uma surpresa. Sua consorte na aventura será Isabel Luijten, a pacata dona de casa vivida por Elise Schaap, que a personagem de Van Doesburgh quer a todo custo resgatar do horror da vida doméstica.

Existem infinitas maneiras de se abarcar conflitos familiares, e a escolhida por Luis Estrada em “Viva o México!” tem qualidades que revelam-se cada qual a seu tempo. Dispondo de um talento raro para levar histórias que nunca se rendem ao óbvio, Estrada faz do roteiro, assinado com Jaime Sampietro, um passeio por boa parte dos temas que consegue desembaraçar tão bem em “O Inferno” (2010) e “A Ditadura Perfeita” (2014), a ponto de restar subentendido que compõem uma trilogia acerca das misérias de uma terra tão longe de Deus e tão próxima dos Estados Unidos, sentença atribuída a Porfirio Díaz Mori (1830-1915), presidente mexicano de 1º de dezembro de 1884 a 25 de maio de 1911, e repetida por uma personagem no desfecho. Marcas do filme, o humor ácido, a zombaria incansável, as subtramas que rompem a casca do absurdo e tomam a narrativa do jeito mais desapertado, com uma plêiade de atores assombrosamente certos do que estão a fazer, são detalhes que compõem um todo como não se tem visto com frequência no cinema atual, dando a sensação ambígua de que ainda há alguma esperança de se encontrar ouro em meio a tanto plástico descartável, mesmo que quem o procure seja a minoria.