Bula de Livro: Stella Maris, de Cormac McCarthy

Bula de Livro: Stella Maris, de Cormac McCarthy

Li “Stella Maris”, de Cormac McCarthy, e gostei. Na verdade, gostei bastante. Tenho um complemento para a tese que apresentei em “O Passageiro”, o primeiro volume desse par McCarthyano complexo. “Stella Maris” não é necessariamente a continuação de “O Passageiro”, é algo mais. Pode existir sozinho, se o entendermos direito. Mas não é simples.

Alicia, está internada em um sanatório homônimo ao título. Em suas entrevistas com o psiquiatra discursa sobre os mais instigantes e difíceis temas em voga da ciência dos anos de 1970. Tem resposta e teses para tudo. Sabe matemática, física, química, psicologia, filosofia, dentre outros. Tem um comportamento peculiar, senso de humor ácido e uma paciência de instantes. É autista. Sabe disso! Para além da personagem, o que impressiona é o fato de Cormac McCarthy dominar tão bem os temas que discute. Após uma rápida investigada na biografia de Charles Joseph McCarthy Jr., seu verdadeiro nome, é possível descobrir que ele não estudou matemática em um nível acadêmico avançado. Ainda criança, na escola, que parecia não gostar, McCarthy conta que foi questionado pelo professor sobre seus hobbies: “Eu era o único com algum hobby e tinha todos os hobbies que havia… nomeie qualquer coisa, não importa o quão esotérico. Eu poderia ter dado a todos um hobby e ainda teria 40 ou 50 para levar pra casa”. Se é verdade, não sei. De qualquer forma, publique-se a lenda. Ou seja, com base em suas preferências, podia dominar vários assuntos.

Stella Maris, de Cormac McCarthy
Stella Maris, de Cormac McCarthy (Alfaguara, 184 páginas)

Vamos a tese. Alicia é um gênio. Indiscutível! Mas também foi diagnosticada como paranoide esquizofrênica. Tem alucinações visuais tão elaboradas que as personagens de seus devaneios têm personalidade própria, condições físicas inusitadas e, como ela, discursam sobre a vida, o universo e tudo mais. O mais interessante é Kid Talidomida, “Ele não tem mãos. Só umas nadadeiras”. Alicia se autodenomina “louca”. McCarthy parece dizer que os gênios são loucos, e os matemáticas são uma classe especial de loucos-gênios que, nas palavras da protagonista, é um grupo muito seleto, com características bem parecidas. Assim, a loucura, em proporcionalidade, é uma fuga da genialidade, para evitar o colapso. Mas, também parece dizer que isso é apenas questão de tempo. O gênio não pode ser freado, portanto a loucura também não. Alicia trata o tema com humor: “A inteligência mantém o tédio afastado”.

Nessa mistura de temas universais, que estimulam os compêndios elaborados e entusiasmados, em algum sentido, de Alicia, estão: a confecção da bomba atômica, enriquecimento de urânio, a origem da linguagem, a topologia na matemática, a esquizofrenia e o método dos psiquiatras, graus de liberdade e quiralidade molecular e os grandes matemáticos e físicos de todos os tempos, tais como Gödel, Lorentz, Cantor, Newton, Feynman e outros.

Ao final do romance, que irá nos perseguir por dias a fio, uma pergunta paira: afinal, McCarthy é um gênio? McCarthy é um louco?


Livro: Stella Maris
Autor: Cormac McCarthy
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Páginas:  184 páginas
Editora: Alfaguara
Nota: 9,5/10

Solemar Oliveira

Doutor em Física, professor universitário e pesquisador com trabalhos publicados em periódicos acadêmicos nacionais e internacionais. Também atua como prosador, poeta, crítico e ensaísta. Autor dos romances “Desconstruindo Sofia” e “A Confraria dos Homens Invisíveis”, além do livro de contos “A Breve Segunda Vida de uma Ideia”, destacado entre os melhores de 2022. Seu livro “As Casas do Sul e do Norte”, publicado pela editora da Revista Bula, recebeu o prêmio Hugo de Carvalho Ramos, uma das mais tradicionais láureas literárias do Brasil.