Um filme, por mais fiel que seja ao roteiro ou à história que o inspira, torna-se uma criatura à parte, nem sempre percebida pelo próprio diretor. As resenhas ou críticas que o abordam são ainda mais avessas a esse mistério da Sétima Arte, com obras que jamais são livros e existem num universo à parte, com estrutura e gramática que só funcionam nela mesma. A dificuldade é o olho humano que vê o que lhe é ditado e não se conforma em colocar as soluções cinematográficas como a essência do filme e não suas intenções ou temas.
Julieta (2016, Pedro Almodóvar) foi descrito como uma abordagem sobre a maternidade. Mas é outra coisa. É o acaso e o destino interferindo nas vontades expostas na eterna presença do drama. A composição dramática na vida das personalidades envolvidas — mãe filha pai amante avós — domina o teatro popular, as novelas de rádio e TV, as canções os gestos e os filmes de sucesso.
Como ourives de sua arte que inventa uma criatura que escapa dos conceitos tradicionais, o cineasta Almodóvar enxuga e desbasta as cenas para mostrar que é inútil o papel humano diante das contingências que se repetem. Entre o dramalhão — a perda dos filhos, a solidão e o desespero — e o drama — a busca de uma segunda chance, a independência cercada de emoções rasgadas, o espanhol Almodóvar trabalha o eterno retorno das condições humanas ambientadas na cultura do seu país, onde se cruzam a tradição e a modernidade.
Julieta quer independência financeira, mas não tem trabalho fixo. Foge do suicida que lhe implora apoio, mas bate de frente com o futuro pai da sua filha. Acha que tem com seu rebento único um vínculo seguro, mas é abandonada devido às decisões erradas e as infelicidades nos pequenos detalhes. Seu drama é recuperar o que nunca teve inteiramente — uma família — apesar dos parentescos amores e amizades.
Seria esse o seu destino, a solidão, depois de tanta luta? Seria o acaso fruto de motivos aleatórios ou ele foi plantado por ela ser autocentrada e desatenta? São perguntas importantes, mas o filme anda por suas próprias pernas. Sob a batuta do Maestro ele toma seu rumo, nos permitindo abordá-lo com o espírito livre.
Como todo grande cineasta, há sempre algo novo para ver num Pedro Almodóvar.
Filme: Julieta
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 2016
Gênero: Drama / Romance / Mistério
Nota: 10/10