Engole o choro. Engole sapo. Não diga, não quero saber. Cala a boca, cala o peito, cale-se! Mas o corpo fala, e como fala. Fala a ponta dos dedos batendo na mesa, fala o dente acirrado, rangendo estridente. Falam os pés inquietos na cama. Falam os olhos caindo tristonhos. Fala dor de cabeça, dor na alma. Fala gastrite, psoríase, fala ansiedade, fala memória perdida. Fala o corpo curvado, fala o nó na garganta atravessado. Fala angústia, fala ruga. Fala insônia, fala sono demasiado. Falador.
É impossível entrar no tatame da vida sem levar uns tapas dela. Mágoa, tristeza, dor, raiva, são sentimentos que nos atravessam sem pedir licença. A verdade é que enquanto estamos sentados na pedra fitando o abismo em dor, mastigamos as emoções, mas nem sempre as digerimos bem. Emoções engolidas e não digeridas corroem feito ácido. É bicho morando no estômago, mordente, cáustico. É soda! Emoções indigestas são como bruxas trancafiadas no corpo. Medonhas, a carregar sensações malditas e mal ditas. Ninguém quer saber de falar de sentimentos mal cheirosos. Então a gente engole, e esse mal entendido vira coisa que entra no estômago, percorre a garganta, o peito, e se deixarmos, calará nossa boca e nossa paz por uma vida inteira.
E aí, cedo ou tarde, todas as dores do mundo hão de querer vomitar, regurgitar o mal resolvido, e nos contorcer novamente as entranhas. É preciso um pouco de coragem para se fazer falar. Emoção amordaçada nos faz refém dela. Dor tapada, cala necessidade. Mágoa não entendida, enfarta a fé nas pessoas. Raiva carregada, pesada, transita ardente pelas costas. Não dá pra engolir tudo e dizer amém! Eu sei. Também não dá pra cometer sincericídios por aí. Mas dá para expressar. O que se sente cabe tradução.
Freud disse certa vez: “a ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador tão eficaz como são umas poucas palavras boas”. É isso, tem hora que o sentimento pede pra ser dito, entendido, descodificado, traduzido. Tudo que ele quer é ser exorcizado pela palavra ou pela via que lhe cabe melhor. Expressar tranquiliza-a-dor. Dor não é pra sentir pra sempre. Dor é vírgula.
Então diz! Diz logo o que quer dizer sua bruxa. Coloca a dor no caldeirão e faz sopa de letrinhas. Faz uma carta, um poema, um livro. Faz uma orquestra tocar. Pega as sapatilhas, sapateia. Faz uma aquarela. Faz uma vida. Faz lá, sol, manda a dó se catar. Faz piada, faz texto, faz quadro, faz encontro com amigo. Faz corrida no parque. Fala pro seu analista, discute com Deus, se pinta de artista. Conversa sozinho, papeia com seu gato, berra aos céus, mas não se cala. Fala, vai. Pois “se você engolir tudo que sente, no final você se afoga”. É que emoções indigestas e encarceradas mergulham no coração mais tarde para explodi-lo.
E aí, me diz, quem será capaz de nos juntar? Jamais a mágoa e toda a lama que ela carrega será melhor do que a nossa paz.