O pai irresponsável que tenta impor suas fantasias às necessidades da família precisa de uma dose ampla de perdão quando se aproxima a sua hora. É o que acontece em “O Castelo de Vidro”, produção de 2017 baseada em best-seller que vendeu milhões de exemplares a partir de 2005, quando a jornalista Jeannette Walls publicou suas memórias.
O enredo é brutal. Três meninas e um garoto são reféns de um casal insano (interpretado por Naomi Watts e Woody Harrelson) que carrega a prole por casas detonadas, tudo em nome da liberdade de viver sem as amarras da civilização. O comportamento ditado pela vontade sem vínculos com nada considerado artificial e poluído, gera uma prisão doméstica ditada pelo pânico, a fome e a violência.
O foco da trama, onde o planejamento de um castelo transparente para permitir enxergar as estrelas, é a relação entre pai e a filha mais velha (Brie Larson), que decide criar um plano de fuga via estudos e economias. Tanto o pai sonhador e alcoólatra quanto sua esposa artista plástica carregam pesado nas costas da primogênita, que adquire consciência da situação caótica sem solução. Aparentemente o tóxico macho alfa pensa na formação do caráter da filha, mas é pura embromação. Ele não consegue se livrar da bebida, da jogatina e das brigas de bar e de rua.
Trata-se de um desespero só. Perseguição, brutalidades, falta de respeito, tentativa de suicídio e momentos de quase assassinato cercam cenas e lembranças de abuso sexual contra a infância.
O que atrai o público para uma história dessas que nos obriga a pensar também em fuga? O que vem em socorro é a costura que a América faz no seu cinema. Nenhum thriller escabroso fica impune, há sempre o contraponto com algo positivo gerado por uma vida de desperdício. Neste caso é o insight da narradora, da comparação que faz entre um pai que tentava enfrentar a vida social imposta pelo dinheiro e procura de um lugar onde construir sua fantasia, que no final não se consumou.
Jeannette conseguiu o que queria: uma vida estável e segura e um casamento conservador. Mas seria suficiente? Seria justo negar décadas de uma experiência sofrida, mas que a tornou forte diante do mal? Seria justo negar a família, por mais condenável que fosse? Como nos filmes românticos em que sempre há uma corrida depois de um súbito esclarecimento, a jornalista de uma coluna de fofocas se atira para se entender com o pai moribundo, que a incentivava a ser uma escritora de verdade.
E ela conseguiu compor esse convívio entre a regra social e a vontade de ser livre.
Barra pesada. Mas longe de uma moral forçada. Apenas a humana revelação que o cinema faz conosco. Pois o mundo não vai mudar ao nosso comando. A única chance de transformação está dentro de nós. Quis lutar contra o mal que estava no deserto, mas descobri que eu o carregava o tempo todo, diz o pai arrependido para sua filha que lutou pela liberdade, e que não encontrou na fuga, mas na volta consciente às suas origens.
Sofra com esta história, mas vença com ela. O importante não é realizar o sonho, mas planejá-lo com alegria.
Filme: O Castelo de Vidro
Direção: Destin Daniel Cretton
Ano: 2017
Gênero: Biografia/Drama
Nota: 9/10