Bula de Livro: O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos, de Alexandre Soares Silva

Bula de Livro: O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos, de Alexandre Soares Silva

Meninas e meninos, eu li “O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos”, do duque Alexandre Soares Silva, e ri. O autor é um ícone da internet e um dos maiores ficcionistas brasileiros em atividade. “O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos”, lançado em 2020, é uma seleção de narrativas curtas escritas ao longo de quase 20 anos, reunidas pela primeira vez. O conjunto forma um dos melhores livros de contos publicados no Brasil na última década. Confirmou a impressão que tive ao ler alguns de seus livros anteriores, o hilário volume de ensaios “A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho”, de 2016, e os romances “A Coisa não Deus”, de 2000, e “A Alma da Festa”, de 2013. O visconde Alexandre Soares Silva conseguiu a difícil tarefa de desenvolver um estilo reconhecível. Seu DNA está em cada linha que escreve, tanto no ensaio quanto na ficção. Essa é uma proeza para poucos. Só autores como Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues conseguiram.

O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos
O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos (Danúbio Editora, 216 páginas)

Esse estilo é composto, em linhas muito gerais, de um coquetel de ironia fina, deboche sacana e muito nonsense. Literalmente, tudo pode acontecer. Não há limites, nem mesmo o da verossimilhança. Essa negação da verossimilhança, que é um tipo de muleta em histórias fantásticas, representa seu ato mais extremo de coragem literária. O autor dança em terreno minado o tempo todo. Passa raspando em minas terrestres que poderiam implodir suas pretensões. Escapa sempre. Talvez porque seu grande inimigo é o senso comum. Defende, com muita ironia, princípios cavalheirescos nesta era bárbara que exalta o banal e o grosseiro. O obvio anacronismo é intencional e usado como ferramenta estética. Está provado, com certo espírito de eterno retorno, que o clássico é a nova vanguarda. 

O barão Alexandre Soares Silva é um tipo de Dom Quixote que sabe que leu demais, que sabe que é meio louco, mas que também sabe que o mundo é mais louco ainda. Exatamente por isso, a página definitiva que escreveu é o micro ensaio “Suburbanada”, presente em “A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho”. Não que o marquês Alexandre Soares Silva use a literatura para combater a deplorável estética suburbana que dominou o mundo, aprisionando todos dentro da melosa canção “Gente humilde”, composta com culpa compartilhada por Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Garoto. Esse senso messiânico de resistência cultural também seria por si só uma grande “suburbanada”. O conde Alexandre Soares Silva apenas ri da nossa cara, por levarmos o mundo tão a sério. Está em uma torre de marfim? Pode ser, mas com certeza é uma torre muito bem decorada, ladeada por magníficas quaresmeiras roxas.

Contos deliciosamente cínicos como “Futebol para cavalheiros”, “Arturito” e “A delícia cremosa da Baviera” corroboram a tese que move sua literatura, a certeza de que a humanidade é mesmo uma gorda dançando em um banquinho. Os novos quinze minutos de fama é estrelar uma videocassetada que vira meme.  


Livro: O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos
Autor: Alexandre Soares Silva
Páginas: 213
Editora: Danúbio
Nota: 8,5/10

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.