O filme mais bonito que você verá na Netflix em 2023 Divulgação / Netflix

O filme mais bonito que você verá na Netflix em 2023

Wanweaw e Weawwan Hongvivatana começam seu “You e Me e Me” de um jeito muito semelhante ao expediente usado por um dos maiores diretores asiáticos da História. Yasujiro Ozu (1903-1963) era inigualável na maneira de apresentar dramas de família tão silenciosos como devastadores, a exemplo do que se vê em “Pai e Filha” (1949), no auge de sua maturidade e vigor criativo, em que especula sobre a agonia de um viúvo que deseja casar a filha com quem vive, embora a moça prefira continuar a assisti-lo. As irmãs Hongvivatana replicam muito da sutileza estilística de Ozu, uma das marcas de seu trabalho, mas disfarçam a melancolia de seu filme lançando mão das cores e da luz dos bosques tailandeses, vivos na fotografia de Kritsada Nakagate. E essa parece ser justamente a artimanha das diretoras a fim de capturar a atenção de seu público: quanto mais seu roteiro envereda para a acrimônia e o truncamento, mais plena de cores a tela fica, num movimento dialético que embala a trama para o desfecho onde há espaço para apenas um deles.

Num dia quente de 1999, uma garota lê um cardápio e já começa a fazer seu interminável pedido, dobrando todos os pratos. É advertida pela garçonete sobre a multa em caso de desperdício, mas não se abala e continua sua solicitação, regada a quatro molhos diferentes. Corte rápido, e segundos depois, a comida pela metade, ela tem de ir ao banheiro, mas deixa a bolsa como garantia de que não vai dar um chapéu. Wanweaw e Weawwan revelam no quadro seguinte o que Me, uma das gêmeas que protagonizam o longa, tinha em mente, e o público atinge o objetivo das Hongvivatana, que como as personagens, dividem o mesmo DNA. As diretoras tiram bom proveito das blagues um tanto surradas acerca das vantagens e inconveniências de se ter um irmão gêmeo, e decerto teria sido melhor investir um pouco mais nessa abordagem, esquecendo a subtrama da suposta profecia de Nostradamus (1503-1566) a respeito do fim do mundo e do tal bug do milênio, que não aconteceu — e nem poderia —, mas assim mesmo ganha destaque exagerado, permanecendo até o final. Pensar que podem morrer sem ter vivido um grande amor faz acender alguma coisa nelas, e Me e You, as duas interpretadas por Thitiya Jirapornsilp, passam a ver com os olhos do interesse amoroso a amizade com Mark, o único a conseguir diferenciá-las. As Hongvivatana encaminham essa súbita e concomitante descoberta do amor desviando dos tantos lugares-comuns contidos no tema e das soluções fáceis de gêmeas que tornam-se rivais até que uma só reste vencedora na batalha pelo coração do seu príncipe encantado. You e Me investem-se da condição de adversárias pela preferência de Mark, de Anthony Buisseret, porém jamais perdem de vista o fato de serem irmãs antes de moças que se apaixonam pelo mesmo rapaz.

A afinidade para além de contingências momentâneas fica ainda mais evidente entre os segundo e terceiro atos, quando as diretoras acrescem ao eixo da história a mágoa, de You e Me, pela ausência do pai, Eak, personagem de Natee Ngamnaewprom, que deixara Bangcoc para morar num vilarejo na zona rural de Nakhon Phanom, no nordeste da Tailândia. Durante o tempo em que viveram com a mãe, Nim, de Supaksorn Chaimongkol, tiveram esperanças de que Eak voltasse por seu livre arbítrio, até que se cansaram; quando já se avizinha o encerramento, uma reviravolta bem explicada liquida qualquer dúvida sobre a prova de que as irmãs nasceram para viver o mais próximo uma da outra que pudessem. Nem todas as mocinhas do cinema oriental acabam tão bem.


Filme: You e Me e Me
Direção: Wanweaw e Weawwan Hongvivatana
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance/Coming-of-age
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.