Li “Rinha de Galos”, de María Fernanda Ampuero, e gostei. Na verdade, gostei demais. Não é opcional: crescemos onde nascemos! Neste caso, crescemos no planeta Terra. Nas cidades do planeta Terra. E nelas, vejam vocês, acontece de tudo. A outra opção é não morar aqui. Mas ir para onde? O que resta é encarar os tipos estranhos, as situações cabulosas e o sistema degradante. Nesse mundo, olhares perspicazes são capazes de reportar os mais escabrosos episódios para o papel e, pasmem, usá-los para entreter. É o caso de “Rinha de Galos”, uma joia da literatura mexicana contemporânea.
Ao lado de escritoras de língua espanhola atuais, como Selva Almada, Samantha Schweblin, Rosa Montero, Mariana Enriquez, dentre outras, está María Fernanda Ampuero, e seu mundo desconcertantemente real. Tendo como protagonistas mulheres, em sua maioria vivendo à margem, no limite de suas possibilidades, sentimentos e forças, ela elabora, com profunda competência, uma teia de histórias dramáticas, com fúria e detalhes terríveis, para mostrar que o mundo em que fomos atirados para viver, não é nada belo ou atraente.
As personagens estão dispostas e à mercê de desafios impossíveis, elaborados pela mão de um condutor sádico, terrível. María Ampuero é esse administrador imaginativo da ficção que arremessa suas personagens à arena, à própria sorte, para que rendam, pela sua dor e constrangimento, uma imagem coerente da vida urbana em que vivemos e suas agruras nada ocasionais. Para compor essa arquitetura, treze situações (coincidência?) são lançadas, onde a violência, essencialmente, é o tema.
Em “Leilão”, conto de abertura, um grupo de absurdos apostadores de rinha de galos, leiloam um grupo de pessoas, incluindo a narradora, uma garotinha vendida pelo próprio para ser abusada. “Vamos lá, não seja tão mulherzinha. São galos, caralho.” O grotesco se liga ao sexual — uma receita bastante utilizada para criar repulsa — e o resultado é pura repugnância. Em “Nam”, uma garota descobre o amor na convivência com a amiga de escola. Ao desvelar um terrível segredo, que o quarto dos pais da colega esconde, se mete em uma enrascada gigantesca por conta de suas necessidades fisiológicas fundamentais.
“Rinha de Galos” é, na verdade, um colossal e magnífico labirinto complexo, onde em cada nova esquina encontramos um Minotauro à espreita. Para María Ampuero, se há beleza está no centro, e chegar lá é quase impossível.
Livro: Rinha de Galos
Autor: María Fernanda Ampuero
Tradução: Silvia Massimini Felix
Páginas: 112 páginas
Editora: Moinhos
Nota: 9/10