Faça um favor a si mesmo e assista na Netflix ao filme, delicado e perturbador, que deu o Oscar a Anthony Hopkins Divulgação / Film4 / Allstar

Faça um favor a si mesmo e assista na Netflix ao filme, delicado e perturbador, que deu o Oscar a Anthony Hopkins

Há uma diferença entre o título original e sua tradução. Pois se trata de “O Pai” (interpretado por Anthony Hopkins, que ganhou o Oscar 2021) e não “Meu Pai”. O filme é o olhar do engenheiro idoso com Alzheimer e não o testemunho da filha. Importa é a versão que ele tem do mundo que se torna confuso misturando situações e personagens no tempo.

É a confusão desse personagem que é o protótipo do pai que vê desmoronar seu mundo na velhice e não determinado pai de uma família inglesa em fase terminal. O depoimento/visão da filha que cuida do velho é a soma de intervenções externas sofridas pela percepção do ator num filme que adere às mutações geradas pela vanguarda.

Nos filmes antigos costumavam separar memória ou delírio da “realidade” fazendo tremer a tela. Dava segurança ao espectador que assim seguia a trama sem se perder. Mas aí o cinema começou a misturar as cenas sem definir o que era vivido ou imaginado, já que tudo é imaginado — não passa de cinema.

O ator Hopkins encarna o engenheiro do mesmo nome que finge ter sido dançarino. É uma alegoria do trabalho de ator, que vive diversos personagens e enxerga personas diversas nas mesmas pessoas, colegas da interpretação.

Anthony se esforça para ver o que está acontecendo, mas enxerga apenas armadilhas para a sua percepção. Então ele se pergunta quem são aquelas pessoas, mas elas somem e reaparecem como nos filmes. Até chegar à pergunta principal: quem sou eu?

Você é Anthony, diz a enfermeira. Seu nome é a síntese de sua obra, a encarnação de pessoas que interagem com ele em roteiros de afeto, indiferença, pânico e desesperança.

Não há salvação nessa trajetória rumo ao abismo. Anthony perde tudo, o apartamento, a família, a vida. Ele quer sua mãe, voltar para casa, ter um lugar seguro para ficar.

Mas não há conforto no universo hostil. Nem um lugar seguro para quem migrou entre tantos mundos e personagens. Resta o desamparo humano com a grandeza do gigante. Que cai em cena nos derrubando com seu gênio.


Filme: Meu Pai
Direção: Florian Zeller
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 10/10

Nei Duclós

Escritor e jornalista.