Bula de Livro: O Estrangeiro, de Albert Camus

Bula de Livro: O Estrangeiro, de Albert Camus

Li “O Estrangeiro”, de Abert Camus, e me certifiquei: é o romance da minha vida. Leio e releio esse livro há mais de 20 anos. Sempre me pergunto, se Camus não tivesse morrido, jovem, aos 46 anos ele teria se ternado maior do que já era? A resposta é sim. Imenso, colossal, definitivo. O amigo de Sartre, teria avançado à frente dele, numa distância desconcertante para o filosofo francês alcançar. Na tentativa, terminaria com náusea. Camus foi um gênio!

“Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem.” Assim começa “O Estrangeiro”, simples e cortante. Albert Camus, aos moldes de Nietzsche, cria sua ideia filosófica mais importante, a teoria do absurdo, a partir de uma narrativa ficcional, cuja personagem central, Meursault, é observada sob a ótica da finitude, da brevidade. E ainda, sob o aspecto de que o fato de que nascemos condenados à morte torna a vida algo sem sentido, a não ser que a intensidade de cada momento seja explorada ao extremo. Meursault, é o modelo para o homem absurdo de Camus, no mesmo sentido em que Zaratustra revela a doutrina do Super-homem, de Nietzsche.

O Estrangeiro
O Estrangeiro, de Albert Camus (Record, 128 páginas)

As palavras iniciais do romance, narrado em primeira pessoa, orientam para o que se desenvolverá em todo o livro. A morte da mãe, o episódio da dor maior se tornará o crime pelo qual o protagonista será julgado, apesar de não o ter cometido. Por outro lado, Meursault fez algo pior. Matou um homem por causa do calor, do brilho do sol, do enfado da praia no final de tarde. Atirou friamente e condenou a si próprio: “Então atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça”. Tudo isso implica em consequências. E a liberdade usurpada é o pior castigo para o homem absurdo.

“O Estrangeiro” é dividido em duas partes. Aos moldes de “A Metamorfose”, de Franz Kafka, os livros tratam de dois momentos da vida dos protagonistas. No caso de Gregor Samsa a discussão sobre a inércia das ações e a letargia na atitude está concentrada no episódio da transformação e na adaptação e a vida após o evento catastrófico. Para Meursault é o namoro com Marie e sua vida de aventuras monótonas, mas profundamente vividas e o seu julgamento por causa do crime que cometeu. Levado ao tribunal para a decisão sobre a pena de morte, Meursault é julgado mais pelo fato de não ter chorado no velório da mãe do que por ter assassinado um árabe desconhecido na praia.

Albert Camus realizou a façanha de ganhar o Nobel por uma obra literária impecável onde sustenta sua filosofia inovadora. “O Estrangeiro” é o livro que deve ser lido e relido, sempre, e com intensidade. Não o conhecer é um absurdo.


Livro: O Estrangeiro
Autor: Albert Camus
Tradução: Valerie Rumjanek
Páginas: 128 páginas
Editora: Record
Nota: 10/10

Solemar Oliveira

Doutor em Física, professor universitário e pesquisador com trabalhos publicados em periódicos acadêmicos nacionais e internacionais. Também atua como prosador, poeta, crítico e ensaísta. Autor dos romances “Desconstruindo Sofia” e “A Confraria dos Homens Invisíveis”, além do livro de contos “A Breve Segunda Vida de uma Ideia”, destacado entre os melhores de 2022. Seu livro “As Casas do Sul e do Norte”, publicado pela editora da Revista Bula, recebeu o prêmio Hugo de Carvalho Ramos, uma das mais tradicionais láureas literárias do Brasil.