Obra-prima memorável, que acaba de chegar à Netflix, é o filme perfeito para o fim de semana Divulgação / Wild Bunch Germany

Obra-prima memorável, que acaba de chegar à Netflix, é o filme perfeito para o fim de semana

“Terra Selvagem” é um thriller estremecedor e com atuações incríveis, que vai revirar seu estômago e penetrar sua mente como uma agulha de punção. O filme escrito e dirigido por Taylor Sheridan (o mesmo de “Sicário: Terra de Ninguém”, “A Qualquer Custo” e “Yellowstone”) mostra o quão longe pode ir a maldade dos homens. E as mulheres, pelo menos em sua grande maioria, estão presas em um mundo impiedoso com essas criaturas bestiais.

As ciências humanas tentaram, ao longo dos milhares de anos da nossa espécie na Terra, domar essas bestas. Mesmo assim, ainda há alguns resquícios dessa incivilidade. O filme de Sheridan destila esses odores secretos e vergonhosos de nossa própria natureza.

Quando o caçador de predadores Cory Lambert (Jeremy Renner) encontra o corpo de Natalie (Kelsey Asbille), uma jovem indígena de sua comunidade, em uma área remota nas montanhas de Wind River, ele sabe que é um caso de homicídio. Em algumas horas, o FBI envia a agente Jane Banner (Elizabeth Olsen) para dar início às investigações.

O legista encontra marcas de estupro e espancamento no corpo da jovem, mas sua morte deixou pistas ainda mais contundentes do terror que ela vivenciou. Pelos seus pulmões, se sabe que ela correu muitos quilômetros em um frio impiedoso até seus alvéolos explodirem sangue. Mas de quem ela fugia?

Lambert é especialista em capturar predadores e se torna indispensável para Jane para solucionar o mistério. Enquanto os rastros na neve conduzem os investigadores aos responsáveis pelo crime macabro, Lambert revive, com o caso de Natalie, seu trauma do passado. A perda de sua própria filha, que também teve o corpo encontrado em circunstâncias similares, mas jamais teve a causa de sua morte descoberta. Encontrar quem fez mal à Natalie é como fazer justiça para sua filha.

“Terra Selvagem”, quando exibido em Cannes, foi aplaudido de pé por oito minutos pelo público. O motivo de tamanha comoção, além do brilhantismo da obra, é que o roteiro não é apenas ficcional. Na verdade, ele se baseia em vários casos de assassinatos de mulheres indígenas na mesma região do Wyoming. Em uma reserva com aproximadamente 6 mil habitantes, próxima de onde as filmagens foram feitas, havia 12 casos de feminicídios sem solução.  O grande gargalo é que apenas um agente federal pode efetuar a prisão de um agressor ou assassino não-nativo contra uma vítima nativa, segundo a lei. Esse buraco no sistema judicial permite com que inúmeros homens violentos continuem a perpetrar suas monstruosidades.

Não apenas nos Estados Unidos, mas também no Brasil e no continente, o feminismo, visto precipitadamente como um extremismo político, luta pela proteção dos corpos femininos, especialmente os de mulheres mais vulnerabilizadas. Entre essas mais vulneráveis, claro, estão as indígenas. Fetichizadas, objetificadas e vistas como um território a ser explorado, o “desaparecimento” de mulheres indígenas nos Estados Unidos é considerado uma epidemia pelo governo e mídia.

Uma reportagem da BBC constatou que, em 2020, mais de 5.200 mulheres e meninas nativas-americanas desapareceram por lá. Apesar da estimativa, organizações acreditam que os números sejam muito maiores, porque não há um banco de dados oficiais e os cálculos podem ser discrepantes. No Brasil também há falta de dados, mas se sabe que um indígena sofreu morte violenta a cada três dias, em 2022, segundo apuração da Folha de São Paulo.

Filmado em 40 dias, sob condições climáticas precárias, “Terra Selvagem” é um filme excepcional. As atuações cintilantes de Renner e Olsen dão um brilho a mais para a produção, que por si só é forte, comovente e revoltante. Uma obra de arte de Sheridan que rasga uma crítica estrondosa e afiada à morosidade e falta de interesse da Justiça em defender povos indígenas, “Terra Selvagem” é um filme que não pode ficar só guardado na memória, ele deveria ser panfletado para todos os seus conhecidos.


Título: Terra Selvagem
Direção: Taylor Sheridan
Ano: 2017
Gênero: Drama/Policial/Suspense
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.