Desde que o mundo é mundo, o homem procura compreender o que é o tempo, este fenômeno inevitável e insondável capaz de trazer rugas, alívio, verdades, sabedoria e tantas outras coisas.
Das certezas da vida, uma é a passagem do tempo. Façamos o que for, ele irá passar, impiedoso e imponente, escancarando a cada instante a impotência do homem, que se julga imperador absoluto do universo.
A batalha contra o tempo já nasceu perdida. Ainda não há, ao menos na pequenez do homem médio, a possibilidade de contra ele triunfar. Resta apenas propor, de joelhos, uma reverencial parceria, buscando, em sua irremissível passagem, a possibilidade de coexistência pacífica. Uma bandeira branca, por assim dizer. Um humilde cessar-fogo.
Em lampejo de piedade, o tempo oferece ao homem a possibilidade de transmutar-se, melhorar-se e acumular experiências que lhe possam ser úteis em dias vindouros. Desde Heráclito, já é sabido que “não se banha duas vezes no mesmo rio”, pois que o rio não é o mesmo, assim como seu banhista. O tempo passa, a vida flui, e de repente o homem se vê outro, diferente em suas perspectivas e compreensões, nadando em águas renovadas de seu rio particular.
Do auge de sua vivência, no entanto, por vezes se atreve a mergulhar em águas passadas e sofrer por capítulos errados da história que já construiu. Condena-se por atitudes pretéritas, por estupidez cometida em épocas de pouca experiência e maturidade, revivendo intensamente as más escolhas de tempos que não voltam mais, chicoteando-se hoje por quem fora ontem.
Não adianta, homem. Não adianta. Hoje se é alguém diferente do que já se foi. Julgar-se com os olhos de hoje, construídos após suados degraus de experiência, é como desejar que uma casa esteja inteiramente construída com a colocação de um só tijolo. Simplesmente não faz sentido. O homem que se foi ontem deve ser enxergado pelos olhos do homem que se foi ontem. Se más escolhas foram feitas, resta apenas trabalhar agora para que outras melhores sejam tomadas, utilizando os caminhos tortuosos do passado como aprendizagem.
“Eu fiz um acordo com o tempo. Nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Qualquer dia a gente se encontra e, dessa forma, vou vivendo intensamente cada momento”, disse o ator Mário Lago, levantando a bandeira branca. Ao fazer as pazes com o tempo, fez também as pazes consigo, permitindo-se errar, e cair, e se levantar, só para cair novamente e começar tudo de novo.
Então, o que fazer com tantos erros, tantas dúvidas e desacertos? Talvez a primeira coisa seja não imaginar o que teria ocorrido se tudo tivesse passado de maneira “correta”. Certamente, fosse esse o caso, outras dúvidas e frustrações se teriam construído. É a sina do livre-arbítrio: quanto mais possibilidades há, maiores são os questionamentos sobre a certeza do caminho escolhido. Talvez a pergunta mais acertada seja: “sou hoje a melhor versão que posso ser de mim?”
Ao se dar uma chance a cada dia, Mário Lago terminou a vida em paz com todas as suas versões construídas ao longo do tempo. “Sou como Edith Piaf, ‘Je ne regrette rien’ (não lamento nada). Fiz o que quis e fiz com paixão. Se a paixão estava errada, paciência. Não tenho frustrações, porque vivi como em um espetáculo. Não fiquei vendo a vida passar, sempre acompanhei o desfile.”
Que se use a maturidade para olhar os erros do passado com benevolência e compreensão, e não para se julgar com os olhos de hoje. Como bem disse o poeta, a vida é um desfile a ser acompanhado. Uma enorme passarela a ser percorrida sem olhar para trás e sem perder tempo remoendo o que não volta mais.