Na noite passada, sonhei que estávamos todos no velório de meu pai. De repente, ele levantou os braços para cima, um de cada vez, testando o ar parado com as pontas dos dedos esqueléticos. Daí, apoiou as mãos macilentas, com esparramos de hematoma sob um arremedo de pele apergaminhada, sobre as bordas laterais do esquife de pinus. Após desmesurado grau de esforço, soltou um gemido e a familiar expressão Oh, Pai! Então, sentou-se de forma atabalhoada dentro da estreita urna funerária, derribando botões de rosas no chão insalubre da sala de velórios número 7. O velho tinha espreguiçado. Disse Olá, como vão todos e quis saber que horas eram. Já passava das dez horas da manhã e ninguém respondia. A maioria das pessoas ali presentes ficou paralisada. Três ou quatro senhorinhas de compleição física débil sofreram ataques de síncope e tiveram que ser socorridas por convivas céleres, cativos, mas, não menos estarrecidos. Mais do que contente pelo fenômeno de ressuscitamento do meu velho ou pelo mero despertar de um ser vivo acometido por um raro ataque de catalepsia, fiquei perplexo e com as esperanças avidamente renovadas. Aquela cena parecia mais real do que uma lembrança recente. De um extremo ao outro, caminhei e fui o primeiro a me aproximar do ataúde, a primeira pessoa que ele abraçou, ainda sentado dentro do arcabouço macabro, caquético como um girassol sem sol, sem água e sem lua. Chorei. Claramente, eu tenho a certeza de que chorei abarcado ao corpo do novo Lázaro, pois, senti que molhava com lágrimas o seu paletó démodé, o melhor que se conseguiu, de última hora, quando vistoriamos o guarda-roupas preenchido por um vestuário que rescendia à saudade e à naftalina. Não me lembro o que mais sonhei a partir desse ponto do sonho. Porém, no justo instante em que escrevia essas linhas, apressadamente, na manhã que alvorecia, ainda me recordava — sem remorsos, acometido pelo humor típico daqueles que amam — de sentir o indefectível bafo da morte assoprando contra o meu rosto.