Você não viu, mas deveria: nova comédia de terror da Netflix não te deixará piscar por 94 minutos Divulgação / Netflix

Você não viu, mas deveria: nova comédia de terror da Netflix não te deixará piscar por 94 minutos

Os fenômenos paranormais que Carlos Therón retrata em “Assombrosas” sem dúvida são bem menos interessantes que as figuras que os percebem. As três bruxas pós-modernas do filme, uma história baseada em fatos, passam longe do estereótipo da velha feia e corcunda ostentando com certo orgulho uma imensa verruga na ponta de um narigão adunco enquanto mexe um caldeirão de poções mágicas. Os roteiristas Fernando Navarro e Marta Buchaca reviraram o baú de ossos da riquíssima crônica da parapsicologia espanhola e tiraram de lá a inspiração para o enredo, que, definitivamente não é nada do outro mundo. Todavia, há qualquer coisa na forma como Therón elabora o argumento central que vai mesmerizando a audiência até o ponto em que ninguém mais se preocupa onde vai dar a sucessão de trapalhadas cada vez mais imprevisíveis daquele trio de damas acima de qualquer suspeita. Só quer mesmo é subir com elas na vassoura e aproveitar a viagem.

O grupo Hepta, criado por um certo padre Pilón em 1998, começa a ganhar as manchetes graças aos bons resultados obtidos na investigação de eventos para os quais a ciência não é capaz de dar resposta. Sagrario, Gloria e Paz, as assombrosas do título, apresentam diferentes graus de mediunidade — na verdade, a única que de fato tem o poder de comunicar-se com os mortos é a aspirante a farmacêutica Gloria Palomeque, a vamp meio decadente de Toni Acosta; Sagrario, interpretada por Belén Rueda, e Paz, a personagem de Gracia Olayo, são bem-vindas muito mais pelo que não fazem do que pelo dom que pensam ter, ao menos até que Pilón, de Emilio Gutiérrez Caba, sofre o ataque de uma entidade ainda não catalogada. Navarro e Buchaca começam falando de episódios de natureza desconhecida ocorridos em Madri há um quarto de século, mas o diretor é hábil em transpor um pretenso bairrismo e destrinchar o assunto de modo a que o espectador sinta-se tão familiarizado com os desvarios cada vez mais sérios que tomam corpo entre os quatro que passe a se considerar também parte do bando. A entrada em cena de Pablo Marimón dá a entender que a popularidade do Hepta — cujos membros são reconhecidos em inferninhos à meia-luz na calada da noite — sofrerá um revés, mas a energia masculina do jovem físico vivido por Óscar Ortuño, “energia masculina excessiva”, segundo ele, só colabora para que as experiências do agora quinteto extrapole qualquer planejamento.

Do segundo para o terceiro ato, quando o Hepta se convida a averiguar um caso de possessão e psicocinese envolvendo uma garota, o filme torna-se um pastiche muito bem elaborado de “Os Fantasmas se Divertem” (1988), o trabalho quase definitivo de Tim Burton a respeito desse tema. Therón dribla essas embaraçosas semelhanças apostando em elementos cênicos mais afetos à atmosfera meio mambembe da trama, e uma sequência com um tabuleiro ouija, além de hilária, volta a situar “Assombrosas” em seu próprio universo.


Filme: Assombrosas
Direção: Carlos Therón
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.