Os fenômenos paranormais que Carlos Therón retrata em “Assombrosas” sem dúvida são bem menos interessantes que as figuras que os percebem. As três bruxas pós-modernas do filme, uma história baseada em fatos, passam longe do estereótipo da velha feia e corcunda ostentando com certo orgulho uma imensa verruga na ponta de um narigão adunco enquanto mexe um caldeirão de poções mágicas. Os roteiristas Fernando Navarro e Marta Buchaca reviraram o baú de ossos da riquíssima crônica da parapsicologia espanhola e tiraram de lá a inspiração para o enredo, que, definitivamente não é nada do outro mundo. Todavia, há qualquer coisa na forma como Therón elabora o argumento central que vai mesmerizando a audiência até o ponto em que ninguém mais se preocupa onde vai dar a sucessão de trapalhadas cada vez mais imprevisíveis daquele trio de damas acima de qualquer suspeita. Só quer mesmo é subir com elas na vassoura e aproveitar a viagem.
O grupo Hepta, criado por um certo padre Pilón em 1998, começa a ganhar as manchetes graças aos bons resultados obtidos na investigação de eventos para os quais a ciência não é capaz de dar resposta. Sagrario, Gloria e Paz, as assombrosas do título, apresentam diferentes graus de mediunidade — na verdade, a única que de fato tem o poder de comunicar-se com os mortos é a aspirante a farmacêutica Gloria Palomeque, a vamp meio decadente de Toni Acosta; Sagrario, interpretada por Belén Rueda, e Paz, a personagem de Gracia Olayo, são bem-vindas muito mais pelo que não fazem do que pelo dom que pensam ter, ao menos até que Pilón, de Emilio Gutiérrez Caba, sofre o ataque de uma entidade ainda não catalogada. Navarro e Buchaca começam falando de episódios de natureza desconhecida ocorridos em Madri há um quarto de século, mas o diretor é hábil em transpor um pretenso bairrismo e destrinchar o assunto de modo a que o espectador sinta-se tão familiarizado com os desvarios cada vez mais sérios que tomam corpo entre os quatro que passe a se considerar também parte do bando. A entrada em cena de Pablo Marimón dá a entender que a popularidade do Hepta — cujos membros são reconhecidos em inferninhos à meia-luz na calada da noite — sofrerá um revés, mas a energia masculina do jovem físico vivido por Óscar Ortuño, “energia masculina excessiva”, segundo ele, só colabora para que as experiências do agora quinteto extrapole qualquer planejamento.
Do segundo para o terceiro ato, quando o Hepta se convida a averiguar um caso de possessão e psicocinese envolvendo uma garota, o filme torna-se um pastiche muito bem elaborado de “Os Fantasmas se Divertem” (1988), o trabalho quase definitivo de Tim Burton a respeito desse tema. Therón dribla essas embaraçosas semelhanças apostando em elementos cênicos mais afetos à atmosfera meio mambembe da trama, e uma sequência com um tabuleiro ouija, além de hilária, volta a situar “Assombrosas” em seu próprio universo.
Filme: Assombrosas
Direção: Carlos Therón
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10