Poucas nações na história da humanidade batalharam tanto para se tornar a grande potência que são hoje, e a Inglaterra decerto tem muito a ensinar nessa matéria. “The Last Kingdom: Seven Kings Must Die” já explica no título do que trata o filme do londrino Edward Bazalgette, ele mesmo um guerreiro de várias frentes. De guitarrista e astro maior do “The Vapors”, banda de brit-rock dos anos 1980 de sucesso local mediano, que, como tal, dispõe de um grande (e único) hit, “Turning Japanese” (1980), a diretor de cinema, a viagem foi longa. Já no audiovisual, Bazalgette produziu conteúdos para a BBC, foi convidado a participar de edições em filmes de baixo orçamento e, enfim, começou a aparecer no comando de “As Sete Maravilhas do Mundo Industrial” (2003), também da estatal britânica, série de documentários sobre outro assunto de que os ingleses podem falar como ninguém.
As disputas de poder na Inglaterra — que nem sempre teve esse nome, como o roteiro de Martha Hillier esclarece —, servem de desdobramento a “The Last Kingdom” (2015-2020), distribuída pela Netflix e inspirada em “Crônicas Saxônicas” (2015-2020), compilação de novelas medievais da lavra de Bernard Cornwell. Hillier conserva-se bastante fiel à obra do escritor, mas é o molho fílmico, pleno das imagens em frenesi da edição de Adam Green, que faz da conquista e, por óbvio, da frágil manutenção do poder nos rudimentos da Grã-Bretanha, uma história digna de ser contada. Por um século, os daneses responderam pelo caos no Reino Unido, e as guerras entre os saxões e a Dinamarca invasora demandava um soldado valente que resgatasse a paz — ainda que por pouco tempo. A morte recente de Alfredo, o Grande (848-899), rei de Wessex de 871 a 899, e soberano de todos os domínios anglo-saxões entre 886 a 899, é tida como o golpe de misericórdia na frágil monarquia dos reinos do Norte, e essa é a brecha por onde os dinamarqueses infiltram-se, se não para arrebatar o território vizinho, para ao menos fomentar os movimentos diversionistas e disruptivos que culminariam nos conflitos retratados no longa. Sempre irônico, o destino guarda ao saxão-danês Uhtred a reunificação do que as tropas de Alfredo conquistaram, lançando-se ao desafio de despertar a irmandade em pequenas suseranias a exemplo de Winchester e Glastonbury, no reino de Wessex; Bamburg, na Nortúmbria, as terras frias do Norte; Aylesbury, no reino da Mércia; e Stirling, já na Escócia, a fim de combater o exército do inimigo da Jutlândia. A missão de Uhtred, interpretado por um Alexander Dreymon cativante, torna-se quase impossível diante de um governante mercurial, imaturo, vulnerável a influências as mais nefastas; Aethelstan, de Harry Gilby, é inicialmente pintado como um príncipe lascivo e inconsequente — e a essa altura já deve ter muita gente nas redes sociais empenhada em revisar certos detalhes do que se sabe a seu respeito —, mas se há um elemento que marca na caudalosa narrativa de Bazalgette é a forma como o diretor frisa a nobreza de um e do outro. Sem dúvida, uma das qualidades que fizeram a Inglaterra sinônimo de prestígio e ordem no delicado jogo da política.
Filme: The Last Kingdom: Seven Kings Must Die
Direção: Edward Bazalgette
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Drama
Nota: 9/10