O filme mais subestimado da história da Netflix Divulgação / Netflix

O filme mais subestimado da história da Netflix

Dois Texas Rangers aposentados e com idade na faixa dos 60 anos são convocados para perseguir e matar um famoso casal de assaltantes de bancos e assassinos de policiais. O cenário é a crise social e econômica dos anos 1930, quando Bonnie e Clyde estavam no auge da popularidade, paparicados pela imprensa que apresenta a dupla como reinvenção de Robin Hood que roubava dos ricos para dar aos pobres.

Mas o filme “Estrada sem Lei” (2019) com roteiro de John Fusco e dirigido pelo sério, sóbrio e rigoroso John Lee Hancock, mostra o outro lado dos dois bandidos que nos anos 1960 ganharam uma versão glamourizada de Arthur Penn em “Uma Rajada de Balas”. Hancock enterra a mistificação do pseudo heroísmo da dupla focando na ação minuciosa dos dois veteranos, interpretados por Kevin Costner e Woody Harrelson. Indicados por alguém do governo estadual e com muitas restrições da governadora interpretada por Kathy Bates, eles saem à caça recolhendo pistas desprezadas pela polícia e percorrendo num jaguar estradas vazias, terras desoladas e populações feridas pela miséria.

Há um pouco de John Ford de “As Vinhas da Ira” nos velhos caminhões que passam lotados de famílias em busca de emprego. E um clima de Wim Wenders de “Paris, Texas” na solidão sinistra da perseguição minuciosa e implacável. Os dois Rangers famosos por terem matado mais de 50 bandidos e tratados com desprezo e desconfiança por detetives e inspetores federais acabam encontrando apoio em delegacias do interior incorruptíveis que admiram a profissão de quem não se deixa iludir por fantasias de bandidos heróis.

A grande popularidade do casal que exibe charme em público e mata policiais a sangue frio em lugares ermos atrai multidões de fãs. É impressionante a cena em que os dois assaltantes batidos numa emboscada e exibidos em público dentro carro todo perfurado são saqueados pelos admiradores sob o olhar assombrado dos policiais que cumpriram a missão.

Como é hábito de Hancock, no seu grande filme “Álamo” expõe as cicatrizes da América sem desmerecer a nação, aqui ele mostra a crueza de uma ação policial sem a cobertura dos trâmites normais da Justiça. É pura caça, barbárie, mas que se apresenta como a solução final para acabar com a humilhação.

Filme denso, frio, que destaca a camaradagem entre os pares, e a obediência à missão e ao destino. Os dois Rangers voltam para casa e o anonimato depois de provar que não há heroísmo no crime e que um país precisa se defender como pode, dependendo das condições. Um filme que conquista pela narrativa enxuta e interpretações precisas.


Filme: Estrada sem Lei
Direção: John Lee Hancock
Ano: 2019
Gênero: Crime/Drama
Nota: 9/10

Nei Duclós

Escritor e jornalista.