Se me perguntam, qual a filosofia que professo, não tenho dúvida: da ignorância. Parece paradoxal? Sim, talvez seja. Por isso, explico: a verdadeira idade da razão é quando admitimos nossa ignorância. Não conhecemos a verdade. Esta é a verdade. Até porque, para começo de conversa, ela não é una.
O cientista Richard Feynman tem um ensinamento precioso sobre a questão. “Descobrimos que, para progredir,” — observava — “é importantíssimo admitir a ignorância e deixar espaço para dúvidas”. Em sua opinião: “O conhecimento científico é um corpo de afirmativas com graus variados de certeza: algumas muitas incertezas, outras quase certas, nenhuma absolutamente certa”.
E para sedimentar o raciocínio, aduzia: “[…] partimos do pressuposto de que é perfeitamente coerente não ter certeza, que é possível viver sem saber”. É justamente essa postura que abre as portas para a dúvida, para o questionamento. Desde os primórdios, a ciência se fez no embate contra a autoridade.
O que significa dizer: ousou lutar pela liberdade de discordar, de questionar, de duvidar. Esse é o oxigênio sem o qual a ciência não respira. Em uma palavra: fenece. Sócrates foi condenado a tomar cicuta sob a acusação de corromper a juventude. Leia-se: fazia-a pensar. Galileu foi forçado, pela Santa Madre Igreja, a desdizer (e a desprovar) que a Terra girava em torno do Sol.
O grande sábio iluminista Voltaire (François-Marie Arouet), escreveu uma obra, em 1766, com o título: “O Filósofo Ignorante”. É um livro curto. Ele o redigiu em dois meses. São 56 petardos. Mas podemos chamá-los, também, de “questões”, “ignorâncias” ou “dúvidas”.
Quem porventura não conheça o autor e queira adentrar no universo voltairiano pode começar por essa obra. Um misto “de ironia, de mordacidade, de estilo”, nas palavras do filósofo Bernard-Henri Lévy. Segundo Lévy, todo o pensamento do filósofo se encontra concentrado nesse compêndio. “A incredulidade. O ódio à tolice e ao fanatismo. A guerra contra todos os ‘sofistas’ de todos os ‘países’ e de todas as ‘seitas’.”
E já que fiz referência aos sofistas, é bom lembrar que o termo derivado do vocábulo grego sophia significa sabedoria. Trata-se do grupo de autodenominados sábios, que saía perambulando, de cidade em cidade, para divulgar seus doutos conhecimentos. Com um detalhe: pediam em troca que fossem recompensados com o vil metal.
O homem mais ilustrado e brilhante do seu tempo, Sócrates, foi inimigo figadal dos filósofos sofistas. Na realidade, ele sequer os considerava filósofos. Na opinião de Sócrates, eles eram tão somente professores de retórica. E, ainda assim, não estavam à altura de contribuir para o futuro de Atenas. Os séculos provaram que nenhum sofista chegou sequer perto de ameaçar a fama de um dos fundadores da filosofia ocidental.
E já que estamos falando de Sócrates, é atribuída a ele a popular frase: “Só sei que nada sei”. Por vezes, essa sentença é compreendida como um paradoxo. Mas não é o caso de discutir a sua autenticidade, uma vez que não aparece em nenhum texto grego antigo.
Não obstante isso, o substrato da frase reside na humildade do conhecimento (que faltou aos sofistas). Da pequenez humana diante da grandiosidade da certeza absoluta. Sábio é reconhecer a ignorância diante das questões centrais da vida — e da morte.
Saindo da Grécia antiga e saltando para o início do humanismo renascentista, vamos encontrar algo similar na obra de um cardeal da igreja católica: Nicolau de Cusa. Autor prolífico do século 15, cuja principal obra foi “Da Douta Ignorância”, publicada em 1440.
Trata-se de um conceito assentado na ideia segundo a qual a “Douta Ignorância” encerra uma dimensão pedagógica. Em breves palavras: a busca pelo conhecimento tem como alicerce a consciência de que o homem desenvolve sua própria ignorância. Ou seja, o saber do não-saber. É isso que permite construir, paulatinamente, o conhecimento.
Enquanto muitos se arvoram “sábios” e autossuficientes intelectualmente, outros pregam as virtudes de reconhecer os limites do seu conhecimento e autoconhecimento. Isso é humildade diante da arrogância de sabichões. Daí a compreensão da essência do filósofo, como Voltaire, que não se arvora dono da verdade. Até porque, conforme argumentou Nicolau de Cusa, “quanto mais douto alguém for, tanto mais reconhecerá ser ignorante”.